Ao menos sete estados brasileiros estão com uma ocupação de mais de 80% dos leitos de UTI (unidade de terapia intensiva) pediátricos para o tratamento de crianças com Covid-19.
Em geral, as redes estaduais contam com poucos leitos desse tipo para crianças com a doença, pois estes demandam equipamentos específicos e equipes especializadas. Ao menos oito estados têm menos de uma dezena de leitos para atender a esse público.
Em três estados, a ocupação dos leitos infantis atingiu o patamar de 100%, caso de Mato Grosso do Sul, Maranhão e Rio Grande do Norte. Outros quatro enfrentam cenário crítico, com ocupação de mais de 80%: Ceará, Bahia, Pernambuco, Goiás.
Ao todo, foram levantados dados de 18 estados e do Distrito Federal. Oito não responderam ou informaram que não divulgam separadamente os dados de leitos para crianças e para adultos.
Em Mato Grosso do Sul, a ocupação das UTIs pediátricas chegou a 160% na última segunda-feira (24), com cinco vagas e oito crianças internadas -duas com Covid e seis com suspeita da doença. Nesta terça (25), a taxa de ocupação diminuiu para 100%, com cinco internados.
Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde explicou que, quando há necessidade, os pacientes de Covid são alocados em leitos não exclusivos para a doença, por isso o número de internações nas UTIs pediátricas é maior que a oferta de leitos. A pasta disse ainda que as unidades não exclusivas foram adaptadas para receber pacientes da doença.
Com quase 74% da população completamente imunizada, Mato Grosso do Sul vacinou 17.541 crianças de 5 a 11 anos até esta terça (25). A estimativa é que haja pouco mais de 300 mil crianças nessa faixa etária no estado.
No Rio Grande do Norte, as seis UTIs pediátricas públicas estão ocupadas -três leitos estão na região metropolitana de Natal e outros três na região do Alto Oeste.
Em reunião na manhã desta quarta (26), o governo do estado definiu a expansão de leitos de UTI pediátrica no hospital de referência para Covid-19, chegando a dez vagas nos próximos dias.
A avaliação do governo é que o avanço na vacinação infantil pode ajudar a frear os casos mais adiante. A procura no Rio Grande do Norte, porém, ainda está abaixo do esperado, o que tem levado a reforço nas campanhas. “Não tem como suportar negacionismo neste momento”, diz a secretária-adjunta de saúde do estado, Lyane Ramalho.
O cenário é semelhante no Maranhão, onde 100% dos seis leitos de UTI pediátricos para Covid-19 da rede estadual estavam ocupados nesta quarta (26). Embora não haja fila de espera, a Secretaria Estadual de Saúde informou que serão abertos mais 12 novos leitos nos próximos dias.
Na Bahia, a taxa de ocupação de leitos de UTI pediátricos da rede pública -que inclui as esferas estadual, municipal e federal- era de 93%. Ao todo, 27 das 29 vagas estão ocupadas, segundo dados da Secretaria da Saúde do Estado desta quarta (26).
No Hospital Couto Maia, referência em doenças infectocontagiosas em Salvador, todos os 20 leitos de terapia intensiva pediátricos estão ocupados. “Nunca tivemos uma pressão como esta”, afirma a diretora do hospital, Ceuci Nunes.
Em Pernambuco, o avanço das infecções, impulsionado pela variante ômicron, levou a taxa de ocupação de leitos de UTI pediátricos para 88% na última segunda (24). Ao todo, o estado tem 66 unidades de terapia intensiva para o público infantil.
Mesmo com o início da vacinação em crianças de 5 a 11 anos, o crescimento das internações preocupa municípios com a volta às aulas no início de fevereiro.
As prefeituras de Paulista, no Grande Recife, e Carpina, na Zona da Mata, anunciaram que as aulas serão apenas remotas no início do ano letivo e suspenderam por prazo indeterminado o modelo presencial.
Ela explica que os leitos de UTI pediátrica demandam equipamentos distintos e equipes especializadas, o que torna mais difícil uma rápida expansão do número de leitos.
O cenário é parecido no Ceará, onde 19 dos 23 leitos pediátricos estão preenchidos -taxa de ocupação de 82,6%. Ao todo, 16 leitos infantis do estado estão na capital, Fortaleza, que registra 100% de ocupação.
Goiás tem 81% de ocupação de UTIs pediátricas. A rede estadual de saúde disponibilizava, até a última segunda-feira, 21 leitos para o público infantil. Com a demanda crescente, o governo do estado prepara a abertura de mais dez leitos de UTI pediátrica em Uruaçu, norte de Goiás.
No Paraná, apenas 20% dos leitos pediátricos intensivos estão ocupados. Mas o Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, maior hospital pediátrico do país, viu uma explosão de casos nesse início de ano – 439 casos positivos foram registrados entre o dia 1º de janeiro e esta quinta-feira (26), segundo dados da instituição; 148 deles confirmados nos últimos cinco dias.
“Se for observar a curva epidemiológica, a gente acredita que em 31 de janeiro a gente pode ter o pico de internamentos e por volta de 12 de fevereiro, pico maior de desfechos ruins da doença, ou seja, mortalidade e UTIs”, afirma o infectologista pediátrico e vice-diretor clínico do hospital, Victor Horácio de Souza Costa Júnior.
Dos dez leitos de UTIs pediátricas no local, sete estão ocupados – quatro crianças, com uso de ventilação mecânica, três, sem, mas com quadro de insuficiência respiratória. Outras 14 crianças estão internadas em leitos de enfermaria. Nos dois grupos, há pacientes com e sem comorbidades. “A gente fica preocupado em verificar que muitas famílias ainda questionam a vacina”, diz.
Diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia, Leonardo Weissmann afirma que o aumento de internações das crianças ocorre em razão do avanço da ômicron.
“A variante ômicron é muito transmissível. Somado a isso, temos o fato de que ela se multiplicar nas vias respiratórias superiores, acima dos pulmões, e as crianças mais novas têm essas vias mais estreitas e menos desenvolvidas”, diz Weissmann, para quem o Brasil pode ter uma explosão de internações infantis, a exemplo do que aconteceu nos Estados Unidos.
Coordenador na Rede Análise Covid-19, Isaac Schrarstzhaupt faz uma avaliação parecida e explica que as crianças estão mais desprotegidas, sem vacinas, em um momento de flexibilização geral das medidas.
“Crianças têm uma proteção imune melhor, em relação aos idosos, mas enquanto a gente ficar empilhando exposições, acaba colocando-as em risco. Vai para o mercado, exposição. Na escola, exposição. Na casa do coleguinha, exposição. Em um dia, a criança se expõe várias vezes ao vírus”, afirma ele.
O pediatra e epidemiologista Mario Dal Poz, professor do Instituto de Medicina Social da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), diz que a pouca oferta de UTIs infantis é outro problema. “A maioria delas é privada, mas no setor público há um número baixo”, afirma ele, acrescentando que isso ocorre porque a instalação e a manutenção desses leitos custam caro ao poder público.
Para evitar casos graves, Dal Poz reforça que é essencial vacinar as crianças o mais rápido possível. “É importante que prefeituras e secretarias estaduais de saúde acelerem a vacinação e que o Ministério da Saúde acelere a entrega. As duas vacinas são igualmente seguras e eficazes”, diz Dal Poz, referindo-se ao imunizante da Pfizer e à CoronaVac.