Centro de controvérsia após liminar expedida contra o ex-juiz Sergio Moro, ordens de apreensão de material de campanha pela Justiça Eleitoral foram frequentes em eleições recentes pelo país.
Em 2018, suspeitas de irregularidades motivaram determinações do tipo contra o tucano João Doria, em São Paulo, e contra diretórios do PT de vários estados.
Com relação a Moro, o principal motivo de crítica dele e de seus apoiadores foi o fato de o alvo ter sido o apartamento onde mora em Curitiba.
O imóvel era o endereço indicado como sede de sua campanha pelo ex-juiz nos documentos de registro de candidatura. Ele concorre ao Senado pela partido União Brasil.
A ordem de busca foi cumprida no sábado (3) e tinha sido determinada pela juíza do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Paraná Melissa de Azevedo Olivas.
A juíza atendeu a um pedido da coligação do PT paranaense, que afirmou que peças de propaganda da candidatura do ex-juiz, incluindo o material nas redes sociais, estavam irregulares por não cumprir norma que estabelece que os nomes dos candidatos a suplente de senador ou vice (nos casos das eleições para presidente e para governador) apareçam com destaque.
Os adversários de Moro argumentaram que os nomes dos suplentes estavam menores do que o exigido na lei. A Lei das Eleições, de 1997, determina que os suplentes constem nos materiais de campanha em tamanho não inferior a 30% do nome do titular da chapa.
A norma é uma maneira de garantir mais transparência para os demais componentes da candidatura. Outro candidato ao Senado no Paraná, Paulo Martins (PL), também sofreu buscas pelo mesmo motivo.
Na situação ocorrida com Doria há quatro anos, a motivação para as buscas era a ausência no material dos nomes dos candidatos a vice, do CNPJ da gráfica responsável pela confecção, da dimensão das peças e a tiragem.
As peças apreendidas traziam a inscrição “Bolsodoria”, de voto casado no tucano e em Jair Bolsonaro para presidente. Na ocasião, a Polícia Federal foi ao comitê do PSDB na capital paulista e a 14 endereços no interior do estado.
Também em 2018, o PT teve material de campanha recolhido e destruído pelas autoridades após a candidatura de Lula ser cassada pela Justiça Eleitoral.
O à época presidenciável petista estava condenado em ação da Operação Lava Jato e foi barrado pela Lei da Ficha Limpa faltando pouco mais de um mês para a votação.
O PT acabou escolhendo Fernando Haddad como substituto na cabeça de chapa. O ministro Luís Roberto Barroso autorizou qualquer juiz eleitoral auxiliar competente a implementar a decisão de impedir que o nome de Lula continuasse sendo veiculado nos materiais de campanha.
Diligências de buscas foram feitas em endereços de campanha em estados como Rondônia, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul.
Em 2020, um candidato a prefeito de Vitória (ES) foi alvo de buscas após a Justiça Eleitoral proibi-lo de usar farda policial em material de campanha.
Para o advogado eleitoral Luciano Santos, medidas desse tipo são corriqueiras em uma campanha eleitoral e não devem ser entendidas como uma situação de abuso de autoridade.
“É absolutamente normal. Pode-se imaginar que exista algum excesso porque a busca e apreensão ocorreu na casa do candidato [Moro]. Mas aí foi simplesmente porque ele tinha fornecido como endereço [de candidatura] o da residência.”
Ele afirma que questionamentos sobre propaganda irregular representam o maior volume de demandas para a Justiça Eleitoral nessa fase da campanha e que é preciso agir com celeridade.
Essa circunstância decorre muito em função da dinâmica eleitoral na qual um partido acaba “fiscalizando” a atuação do outro na campanha. Os rivais monitoram eventuais situações de abuso ou de irregularidade na propaganda e comunicam a Justiça Eleitoral, que age ao ser provocada.
Com a alta exposição dos candidatos nas redes sociais hoje, há material ainda mais abundante para denúncias dos partidos.
“A fiscalização de um partido pelo outro é muito saudável”, diz o professor Álvaro Mayrink da Costa, que foi presidente do TRE do Rio de Janeiro.
Para ele, a medida contra Moro, “dentro dos limites normativos”, foi correta e ocorreu por meio de um procedimento lícito.
Um procurador eleitoral ouvido pela reportagem, porém, afirma que muitos pedidos são feitos mais “para fustigar os adversários” e que os juízes podem tomar medidas menos invasivas, como determinar a retificação desse tipo de irregularidade.
Em casos de falha ou ausência da informação dos suplentes, a legislação estabelece como punição multa de R$ 5.000 a R$ 25 mil, ou o equivalente ao custo da propaganda, “se este for maior”.
O ex-juiz Moro, ainda no último sábado, criticou a ordem do TRE do Paraná e disse que o PT tenta intimidá-lo. “A retaliação do PT e do sistema da velha política foi sentida pela minha filha, hoje de manhã em Curitiba.”
Ele também minimizou a falha apontada pelos rivais e disse que o PT foi “à Justiça para discutir tamanho de letra de santinho”. “Querem achar pelo em ovo.”
Na mesma ordem judicial, foi determinada a remoção de 91 postagens do ex-juiz nas redes sociais.
A assessoria de Moro negou a irregularidade e afirmou que a equipe jurídica do ex-juiz pediria a reconsideração da decisão liminar.
A ONG Transparência Internacional criticou a medida da juíza.
“Ação desproporcional da Justiça Eleitoral, que fecha os olhos para os milhões em financiamento ilícito de campanhas, uso de laranjas em candidaturas de mulheres, fraudes nas declarações patrimoniais de candidatos e corrupção sistêmica nos partidos”, escreveu a entidade, em publicação nas redes sociais.
O ministro aposentado Carlos Velloso, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, considera que a ordem da magistrada do TRE paranaense foi excessiva. “Em princípio está correto, mas, examinando o caso concreto, não me pareceu razoável”, disse ele à reportagem.
Velloso cita o dispositivo da Constituição que afirma que a casa é um “é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador”, salvo por determinação da Justiça.
“A lei subordina essa exceção a uma ordem judicial. O juiz presume-se ser neutro, um garantidor de direitos. A Constituição confia que o juiz só vai deferir essa exceção, uma busca e apreensão, em um caso de necessidade.”
Para o ministro aposentado, eventual falha no tamanho dos nomes dos suplentes não “é uma infração que seria capaz de desequilibrar uma eleição” e não parece que seja “algo de grande importância”.
“Achei desarrazoada a medida diante do fato concreto.”