Situada em Aracati, pequena cidade do litoral cearense, a praia de Canoa Quebrada é eternizada em livro digital realizado pela artista visual carioca Raquel Gandra, composto por ensaio fotográfico poético-documental e textos transcritos de conversas gravadas com seus habitantes, que retratam vivências, cultura e ancestralidade local. O trabalho foi contemplado pelo XVI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia.
Originária de uma pequena aldeia de pescadores e “mulheres rendeiras” que faziam um tipo de bordado conhecido como “Labirinto”, Canoa Quebrada é hoje um dos principais destinos turísticos do Ceará, conhecida pelas vivências calorosas, belezas naturais, praias e falésias. Outro fator marcante de sua história é o acolhimento dos seus moradores. Um compilado desses detalhes emoldurados em poesia e na simplicidade de seu povo são o resultado do ensaio multimídia “Entre Tramas e Labirintos”, pela sensibilidade, escuta e lentes da artista visual e fotógrafa carioca, Raquel Gandra. Entre idas e vindas ao litoral leste cearense desde 2012, a artista, que se apaixonou por Canoa Quebrada, tem agora o prazer e a alegria de poder transformar suas vivências em um rico e sensorial ensaio que eterniza espaços, histórias e memórias locais.
Lançamento
O ensaio será lançado no dia 15 de julho, durante o “Festival Imaginária – festa do fotolivro”, que acontece de 13 a 17 de julho, em São Paulo. O lançamento será transmitido em live realizada no instagram do evento (@festivalimaginaria), dia 15, às 19h. Após o lançamento, a obra “Entre Tramas e Labirintos” ficará acessível a todos gratuitamente no site da artista no endereço https://raquelgandra.visura.co/ e também no acervo do site https://livrosdefotografia.org
Obra acessível e inclusiva
Para além da noção de acessibilidade do livro em termos físicos e financeiros, por seu formato digital e gratuito, a artista propõe também acessibilidade e inclusão para pessoas cegas ou de baixa visão, disponibilizando no corpo do livro a descrição sonora de cada imagem. Esta experiência, que pode ser entendida como um tipo de tradução, levou a própria fotógrafa a realizar uma formação em áudio-descrição de modo a poder compreender a complexidade do processo e ter mais controle sobre o resultado. “A audiodescrição não é uma mera legendagem descritiva, mas faz parte de um campo composto por códigos, regras e éticas específicos que lhe pertencem. Está sendo um processo extremamente enriquecedor poder expandir aquilo que eu entendia como acessibilidade e também desafiador traduzir minhas imagens, que são um tanto simbólicas, para a linguagem da palavra”, explica Raquel.
Mais que o contemplar das imagens, a artista entrega poesia através das falas dos moradores de Canoa que surgem ora em forma de citação, ora costuradas entre si de modo a compor uma roda de conversas, remetendo aos tempos da partilha coletiva de mitos e experiências. Esta narrativa criada em conjunto a partir dos relatos captados em áudio preserva memórias e o saber popular. “Foi o modo que encontrei para manter o protagonismo e a autoria deles de sua própria História. Meu intuito é transmitir um pouco da magia que se encontra na própria realidade de Canoa.”
A artista conta que dar essa possibilidade a mais para o espectador é nutrir sua imaginação com possibilidades “Trazer imagens que ultrapassem a condição de mera observação e dar espaço ao surgimento de fotografias que se enquadram no gênero do documental imaginário, cuja finalidade é de produzir novos sentidos a partir da realidade e dos encontros e desconstruir pré-ideias, pré-imagens e pré-conceitos”, explica.
Inspiração
A realização desse projeto surgiu da vontade de partilhar a experiência vibrante que a artista começou durante uma visita à cidade de Aracati em 2012 e se prolongou por mais quatro viagens ocorridas ao longo dos últimos 10 anos, durante as quais fortaleceu laços de afeto e tornou-se cada vez mais familiar às nuances e complexidades locais. Aos poucos Raquel foi sendo impregnada por suas lendas e ritos cotidianos até que decidiu desenvolver este ensaio celebratório no intuito de eternizar as peculiaridades intrínsecas a essa cultura ao mesmo tempo em que difunde seus saberes em torno da arte de narrar e fabular.
Aproveitando o tema do XVI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia, interessado em projetos que debatessem, revelassem ou problematizassem questões em torno do turismo sustentável e da cultura tradicional brasileira, Raquel Gandra traz este trabalho com o intuito de chamar atenção para a necessidade (e a possibilidade) de haver harmonia entre espaço e pessoas. “(Canoa Quebrada se encontra em) Um estado transitório que pode ser visto como fonte de resistência e de inspiração na busca por equilíbrio e por diálogos possíveis em torno da ideia de sustentabilidade, seja na relação dos habitantes com a natureza, seja na relação entre os turistas/visitantes com a terra e sua cultura. Suas histórias cativam não apenas por seus enredos, como também pela indistinção entre verdade e ficção que parece revelar uma profunda conexão entre magia e realidade”, conta.
A artista
Raquel Gandra (RJ, Brasil, 1986) é artista visual, fotógrafa, comunicadora e andarilha. Bacharel em Comunicação Social (2010-UFRJ) e mestre em Belas Artes (2016-UFRJ), realizou um Master em Fotografia Artística e Documental no IPCI (Porto, Portugal) em 2019.
Participou de exposições coletivas no Brasil, em Portugal e na Itália, com destaque para EIXO ARTE 2022, FOTO EM PAUTA 2022 (Tiradentes, BR), SUBURBS – Galeria Millepiani 2019 (Roma, IT), BASTARDA DA CULTO 2019 (Porto, PT), O MAIS PROFUNDO 2017 (MG, BR), TEMPO – Centro Hélio Oiticica 2017 (RJ, BR).
Sua trajetória na fotografia perpassa diferentes técnicas e práticas e suas investigações estão pautadas pelo afeto e pelo acaso, compreendendo o dispositivo de criação de imagens como meio fortuito para dar a ver/conhecer/imaginar o outro e nós mesmos através de encontros e deslocamentos, tangenciando lacunas e questionando a maneira como enxergamos a própria realidade. Em seu trabalho, que transita por temas como a Memória (suas narrativas, ausências e aberturas); Identidade (como lugar de ambiguidade e coletividade) e a relação entre o corpo e seu entorno, dedica-se à construção de narrativas visuais a partir da fabulação humana dentro de suas territorialidades, sejam elas íntimas, espaciais ou identitário-culturais.