Na véspera de manifestação de raiz golpista e pró-governo, o presidente Jair Bolsonaro assinou MP (medida provisória) para limitar a remoção de contas e perfis das redes sociais.
A medida foi anunciada nesta segunda-feira (6) na página da SecomVC no Twitter, perfil administrado pela Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) da Presidência da República.
“O Presidente Jair Bolsonaro acaba de assinar medida provisória que altera o Marco Civil da Internet, reforçando direitos e garantias dos usuários da rede e combatendo a remoção arbitrária e imotivada de contas, perfis e conteúdos por provedores”, afirmou a publicação do governo.
O texto altera o Marco Civil da Internet para prever, entre outros pontos, a exigência de “justa causa e de motivação” para excluir conteúdos, além de cancelar ou suspender as funcionalidades das contas ou perfis mantidos nas redes sociais, segundo nota da Secretaria-Geral da Presidência.
“A medida busca estabelecer balizas para que só provedores de redes sociais de amplo alcance, com mais de 10 milhões de usuários no Brasil, possam realizar a moderação do conteúdo de suas redes sociais de modo que não implique em indevido cerceamento dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros”, afirma o mesmo comunicado do governo.
A íntegra do texto da MP foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União na tarde desta segunda-feira.
Os provedores de redes sociais terão prazo de 30 dias para adequar as suas políticas e termos de uso ao que manda a MP. A medida vale por 60 dias, prorrogável uma vez por igual período, e perde os efeitos se não for aprovada no Congresso.
O texto impede que as redes decidam sobre a exclusão de contas ou perfis apenas com base nas próprias políticas de uso.
A MP elenca alguns casos que podem ser considerados justa causa para limitar ou até excluir uma conta, como para cumprir decisão da Justiça, se o usuário está inadimplente ou se a conta assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público.
Também há uma lista de casos para justificar a exclusão de conteúdos, como divulgação de nudez, pratica ou incitação de crimes e apoio ou incitação de atos de ameaça ou violência, inclusive por discriminação ou preconceito.
Ainda é uma das razões para limitar conteúdos a “prática, apoio, promoção ou incitação de atos contra a segurança pública, defesa nacional ou segurança do Estado”.
Pelo menos desde abril o governo discute formas de engessar a atuação de empresas como YouTube, Twitter, Facebook e Instagram. A Secretaria de Cultura, comandada pelo ator Mario Frias, membro da chamada ala ideológica do governo, encabeçou a elaboração do texto.
Publicações de Bolsonaro e de seus apoiadores foram excluídas das redes sociais durante a pandemia da Covid-19 por desinformar sobre a doença. Em abril deste ano, o Twitter colocou um aviso de publicação “enganosa” em crítica do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, ao lockdown.
Bolsonaro ainda tem criticado ações do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contra páginas bolsonaristas investigadas por disseminar fake news.
Em maio, uma minuta de decreto, tido como ilegal e inconstitucional por advogados consultados pela Folha, chegou a ser debatido pelo Ministério das Comunicações. A leitura do governo era que o texto deveria ser feito por instrumento legal mais rígido, como a MP.
O Marco Civil da Internet foi aprovado em 2014, após mais de dois anos de embates, negociações e intensos lobbys. O texto é uma espécie de Constituição, estabelecendo princípios, garantias, direitos e deveres na rede.
Bolsonaro ainda faz acenos a sua base eleitoral e mira a reeleição em 2022 ao dar aval para a mudança na legislação. Aliados dizem que levaram reclamações ao Planalto sobre restrições de conteúdos em redes sociais.
A MP determina que o usuário seja notificado quando a rede social restringir a conta ou conteúdos. O texto prevê desde advertência, multa, suspensão e proibição das atividades da empresa que não seguir as exigências para restringir conteúdos.
Bolsonaro disse no último dia 24 que o TSE “arrebentou a corda” ao determinar às empresas que administram redes sociais que suspendam os repasses de dinheiro a páginas investigadas por disseminar fake news.
As mídias digitais são o principal meio de comunicação de Bolsonaro e foram decisivas para sua vitória em 2018. No Planalto, há um departamento de comunicação digital, apelidado de “gabinete do ódio”. É atribuído a esse grupo a elaboração de ataques virtuais a adversários.
Após anunciar a MP, o governo divergiu do youtuber Felipe Neto. Ele havia dito que o texto proíbe a remoção de conteúdos. A página do governo, então, disse que a mudança na legislação é para exigir que se apresente “justa causa para esse tipo de ação”.