O governo federal deve entregar nesta segunda-feira (9) ao Congresso a proposta que parcela precatórios para driblar o teto de gastos em 2022, além de uma MP (medida provisória) que cria o Auxílio Brasil –programa que substituirá o Bolsa Família.
As propostas devem ser entregues pessoalmente pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pela manhã.
De acordo com integrantes do governo ouvidos pela reportagem, a MP do Auxílio Brasil vai trazer o formato do programa, com seus objetivos e diretrizes, mas sem estabelecer valores nem explicitar as fontes orçamentárias.
Lançado em meio às incertezas que rondam o Orçamento de 2022, o texto deve condicionar parte do programa à real existência de recursos, abrindo caminho para que certas medidas fiquem apenas no papel.
O programa surge no momento em que a classe política pressiona por gastos em diferentes frentes e o espaço disponível no teto de gastos é comprimido pelo avanço da inflação e pelo consequente reajuste de despesas obrigatórias (como aposentadorias).
As contas públicas estão no vermelho desde 2014, e a equipe econômica concentrou esforços nos últimos meses para tentar fazer o pagamento médio por família se elevar dos atuais R$ 190 para algo mais próximo de R$ 300.
O valor caberia, com aperto, no teto de gastos. Mas Bolsonaro e aliados pressionam por mais e citam nos bastidores um possível valor de R$ 400.
Mesmo com as indefinições sobre os números, a proposta do Auxílio Brasil já representa a maior mudança na política do Bolsa Família desde sua criação.
O programa criado no primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve deixar de existir formalmente após quase 18 anos e ter o arcabouço legal revogado até o fim deste ano.
O Auxílio Brasil, no entanto, manterá as premissas do antecessor ao atender famílias em situação de extrema pobreza (renda mensal de até R$ 89 por pessoa, segundo o padrão atual do governo) e pobreza (entre R$ 89 e R$ 178).
Haverá três frentes principais para os pagamentos, de acordo com o formato conversado nos últimos dias.
Um deles é o benefício Primeira Infância, para famílias com crianças de até três anos. O segundo é o benefício de Composição Familiar, para famílias com gestantes ou pessoas entre 3 e 21 anos. E o terceiro é o benefício de Superação da Extrema Pobreza, voltado somente a famílias em extrema pobreza.
Também devem estar presentes no texto do Auxílio Brasil, mas com pagamentos condicionados à existência de recursos, bolsas extras para famílias compostas por atletas adolescentes de destaque em competições esportivas e para estudantes que se sobressaem em eventos científicos.
Além disso, há previsão de um vale-creche e um auxílio para produtores rurais.
Hoje, o Bolsa Família vai para famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza e que tenham na composição gestantes, mães que amamentam, crianças ou adolescentes até 17 anos.
Elogiado por órgãos como a ONU (Organização das Nações Unidas), o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial, pela equipe econômica de Henrique Meirelles (a primeira pós-PT) e até pelo ministro Paulo Guedes (Economia), o Bolsa Família representou um marco na história do país ao inserir no Orçamento um projeto de larga escala para transferência de renda à população mais vulnerável.
Carro-chefe dos programas sociais da era petista, o Bolsa Família é considerado pelo atual ministro da Economia como motivo para o PT ter vencido quatro eleições –e sua reformulação é vista no governo como um meio de elevar a popularidade de Bolsonaro na disputa eleitoral com Lula, que criou o programa.
“[O PT] ganhou quatro eleições seguidas merecidamente, porque fez a transferência de renda para os mais frágeis com um bom programa. Um programa que envolvia poucos recursos e que tinha um altíssimo impacto social”, disse Guedes em audiência pública na Câmara em maio.
“Agora vem a eleição? Nós vamos para o ataque. Vai ter Bolsa Família melhorado, BIP [Bônus de Inclusão Produtiva], o BIQ [Bônus de Incentivo à Qualificação], vai ter uma porção de coisa boa para vocês baterem palma”, afirmou o ministro ao jornal Folha de S.Paulo há pouco mais de dois meses.
Apesar de Guedes dizer que o programa não vai furar o teto de gastos, os movimentos do governo por mais recursos e o drible na regra em 2022 com o parcelamento dos precatórios (pagamentos determinados pela Justiça contra o Estado) em ano eleitoral têm causado desconfiança no mercado.
A PEC (proposta de emenda à Constituição) dos precatórios é justificada por Guedes como uma forma de o teto não ser furado.
A medida é lançada após governo e Congresso deixarem de implementar ações para revisão de gastos em outras frentes e é intensificado por um movimento de governistas para ampliar a flexibilização e tirar os precatórios do teto.
Guedes disse ter lançado a proposta –às vésperas do Orçamento– após ter sido surpreendido pela conta dos precatórios em 2022, que deve ser entregue até o fim do mês.
A fatura subiu de R$ 55,4 bilhões em 2021 para R$ 89,1 bilhões no próximo ano, um crescimento de 60,7% que foi chamado por ele de “meteoro”.
Apesar disso, órgãos do governo vêm alertando o Ministério da Economia sobre perdas com precatórios meses antes da reta final da proposta de Orçamento –o que indica que a pasta não foi pega tão de surpresa assim.
Em março, a AGU (Advocacia-Geral da União) alertou sobre um pagamento de R$ 8,5 bilhões à Bahia no ano que vem.
Em maio, a SOF (Secretaria de Orçamento Federal) alertou que um precatório de R$ 2,6 bilhões para o Ceará elevaria o risco de “desobediência a normas constitucionais e legais voltadas a uma gestão fiscal responsável, prejudicando o desenvolvimento de outras políticas públicas”.
Em junho, a SOF fez outro alerta sobre um precatório de R$ 3,8 bilhões para Pernambuco.
Nos três casos, os valores diziam respeito à complementação do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério).