Em uma reunião virtual marcada pela fricção entre as partes e uma transmissão fragmentada, Brasil e Argentina se enfrentaram nesta quinta-feira (8) e deixaram claras suas diferenças a respeito da redução da TEC (Tarifa Externa Comum) e da flexibilização de regras comerciais do Mercosul.
Brasil e Uruguai defendem uma redução radical da tarifa, enquanto a Argentina prefere uma redução gradual e menor, evitando aplicá-la ao setor industrial, pelo menos até janeiro. O Brasil insiste que o bloco deixe de ser guiado por “questões ideológicas”.
A Argentina também se opõe à proposta lançada pelo Uruguai, e que conta com apoio dos demais países, de que os membros do Mercosul sejam liberados para negociar tratados comerciais de forma independente. Outro ponto de atrito entre os participantes é a necessidade de que qualquer alteração no acordo seja feito por consenso.
O Brasil assume agora a presidência pro-tempore do bloco. Nos últimos seis meses o cargo estava com a Argentina.
Em seu discurso, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, afirmou que no mandato argentino “não se avançou na modernização” do Mercosul, e que não seria possível deixar que o bloco “continue sendo sinônimo de ineficiência”. “Precisamos superar essa imagem negativa”, afirmou. Também defendeu a eliminação de tarifas. “Queremos e conseguiremos uma economia mais integrada ao mundo. Não podemos patinar na consecução desses objetivos, precisamos dar entregas à população, eliminar entraves e entregar produtos mais baratos”, afirmou.
Para o mandatário brasileiro, a persistência de impasses e a necessidade de consenso para mudanças nas regras do Mercosul são um problema, especialmente quando países associados têm o que chamou de “visões arcaicas” sobre a natureza do bloco e sobre o protecionismo -um claro recado para a posição argentina a respeito das propostas. “Isso alimenta sentimentos de ceticismo no mercado internacional”, disse. Ele criticou mais uma vez a argentina, dizendo que “o semestre que se encerrou não apresentou resultados concretos”.
O encontro virtual teve como anfitriã a Argentina. O presidente do país, Alberto Fernández, abriu o encontro com uma transmissão a partir da Casa Rosada lembrando os 30 anos do bloco, celebrados neste ano, e evocando as suas “regras fundacionais”. “São regras, e abandonar o consenso entre os países para negociar por fora significa descumprir as regras”, disse. Ele se referia à decisão manifestada pelo governo uruguaio, nesta quarta-feira (8), de buscar acordos fora do Mercosul, embora sem abandonar o bloco.
“A globalização em que acreditamos é uma globalização mais regionalizada, que fortaleça as cadeias regionais de produção, e queremos mais cadeias regionais, e não menos”, disse o argentino. Fernández olhava para baixo, com expressão de irritação e cansaço. Ele reiterou que a redução da TEC tem de partir de um consenso. “Esse é o DNA do bloco, não podemos esquecer essa lei fundacional principalmente num contexto global de incertezas”.
Com relação a flexibilizações, foi bastante enfático: “A lei do Mercosul afirma que negociações devem iniciar-se e concluir-se em matéria conjunta. Nós seguiremos apoiados nessa lei”. E terminou afirmando: “Ninguém se salva sozinho”.
O presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, afirmou que não pretende descumprir as regras do bloco, como insinuou Fernández. “Vamos respeitar o ordenamento jurídico vigente, mas este não nos impede de avançar em negociações também com outros países”, disse. “O mundo vai rápido e temos pressa. Espero que podamos ir todos juntos”.
Ele afirmou que a ideia de consenso da fundação do Mercosul pode e deve ser modernizada, de comum acordo, porque o contexto é outro e não há porque manter a leitura da regra como ela foi escrita há três décadas. Lacalle Pou também disse que não discordava de Fernández quanto ao objetivo, que o Mercosul criasse mais ofertas de emprego. “Nós também queremos, mas talvez tenhamos estratégias diversas”, afirmou, acrescentando que o Uruguai tem uma “vocação de abertura”.
Novamente, como havia feito no encontro comemorativo dos 30 anos, afirmou que a lentidão com a qual se avança com o acordo do Mercosul com a União Europeia “gera ceticismo e desconfiança”. Também apontou para o problema de manter as fronteiras entre os países fechadas por muito tempo, devido à pandemia. “Temos que pensar em como abrir e em transformar o trânsito livre em oportunidades”.
Em sua fala, o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, afirmou que vê o Mercosul “integrado por quatro membros, não três ou dois”. E também mostrou preocupação de que a cúpula termine com imagem de retrocesso. “Precisamos fazer o possível para evitá-lo”. Abdo propôs um encontro presencial mais urgente para resolver as diferenças. “As reuniões virtuais foram um mecanismo necessário, mas sinto que para avançar na nossa discussão será necessário um encontro presencial, com um abraço fraterno entre todos”, disse.
Os países optaram por não mostrar uma transmissão conjunta da reunião -cada governo divulgou por meio de seus canais oficiais apenas a fala de seu mandatário, sinalizando a crise que afeta o bloco.
No final de sua fala, Bolsonaro ainda cutucou a Argentina a respeito da final da Copa América, quando o país encara o Brasil. “Queria dizer que a única rivalidade entre Brasil e Argentina nós vamos ver no próximo sábado no Maracanã. E vou adiantar o resultado, vai ser 5 a 0”, disse.
O Itamaraty deve conduzir os trabalhos da presidência brasileira do Mercosul num cenário desafiador. Resistência da Argentina na reforma da TEC de um lado e promessa do Uruguai de negociar de forma independente do outro.