A ausência de um passaporte da vacina para entrar no Brasil pode transformar o país em um destino de férias para pessoas que se recusam a tomar o imunizante contra a Covid, diz Meiruze Sousa Freitas, diretora da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), em entrevista à reportagem.
Para ela, isso aumenta as incertezas e o risco para a população em meio à pandemia de coronavírus.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) freou o avanço do passaporte vacinal no Brasil. No último domingo (5), ele defendeu, novamente, a não obrigatoriedade das vacinas contra a Covid e afirmou que vai buscar alterar a legislação para que apenas o governo federal possa determinar regras sobre o passaporte vacinal.
Nesta segunda (6), o ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), deu 48 horas para que o governo Bolsonaro explique por que não é exigido comprovante de vacinação para pessoas que desembarcam no Brasil pela via aérea.
Para Freitas, o risco do BRasil virar destino dos antivacina é ainda maior devido à desvalorização do real e a aproximação das festas de fim de ano e do verão.
“O que a Anvisa está pedindo e recomendando é que todos sejam vacinados”, diz Freitas. Um aumento do número de pessoas não vacinadas vindas de fora pode favorecer a entrada de variantes de preocupação –como a ômicron– no país. “Esperamos que as portas do Brasil não estejam abertas nessas condições. Estamos favorecendo os riscos.”
A diretora da Anvisa participa, nesta terça-feira (7), às 19h, do Foro Inteligência, que tratará do tema “A ideologização da Ciência e os impactos na pesquisa científica”. Participam do evento também o virologista Maurício Nogueira, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, e Ana Elisa Miller, diretora institucional da Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica (Abracro).
Segundo Nogueira, “é um absurdo ainda não termos um passaporte vacinal” no Brasil.
“Vamos nos tornar um santuário do turismo antivaxxer?”, diz ele.”Temos uma população bastante vacinada, apesar do negacionismo do governo. Qual o motivo da recusa do passaporte vacinal?”.
Além desta questão, a representante da Anvisa também defendeu a ampliação da vacinação de crianças contra a Covid. Trata-se de um caminho natural, segundo Freitas, principalmente ao se considerar o desconhecimento que temos, a longo prazo, da doença nos pequenos.
“O que estamos vendo, até mesmo usando dados da África do Sul, uma preocupação muito grande de crianças sendo afetadas com Covid.” Até agora, somente o imunizante da Pfizer foi aprovado para pessoas a partir de 12 anos.
No Brasil, em breve, essa vacina específica também pode ser ampliada para novas faixas etárias. Está sob análise da Anvisa o pedido da farmacêutica para que crianças de 5 a 11 anos também possam receber o imunizante. Fora isso, a Pfizer também já prepara o pedido de utilização da vacina em grupos de 6 meses a 5 anos de idade.
Nos EUA, a vacina da Pfizer já é usada para crianças a partir de 5 anos de idade.
“Ainda são riscos incertos”, diz Freitas, sobre a doença em crianças. “Que isso [a vacina] seja ampliada até para crianças mais novas.”
O Instituto Butantan também tentou ampliar, em julho, a faixa etária para aplicação da Coronavac, abrangendo dos 3 aos 17 anos. A Anvisa não deu aval ao uso, porém. Segundo Freitas, faltaram informações essenciais, as quais até o momento não foram apresentadas.
“Sabemos que essa vacina já vem sendo utilizada em outros países, mas precisamos ter acesso a esses dados, inclusive dos estudos de efetividade e acompanhamento, para que possamos ampliar a vacina Coronavac para crianças. E teremos que avaliar o quão eficaz seria a Coronavac para novas variantes, inclusive a ômicron”, diz a diretora da Anvisa.
A representante da agência afirma ainda que o Butantan não enviou informações adicionais para a Anvisa sobre novas variantes e que, em relação aos outros laboratórios com vacinas aprovadas no país, o Butantan é o que tem mais dificuldade para entrega de informações.
Um dos possíveis motivos para isso, segundo Freitas, é que a Coronavac, aprovada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para uso emergência, não possui entrada forte em outros países com regulação forte, como Canadá e EUA, o que favoreceria a geração de dados. “Como as outras vacinas estão nesses mercados, temos acesso a dados com mais facilidade.”
Nogueira e também Freitas criticam a ideia, pelo menos nesse momento, de adiantar a dose de reforço da vacina para todos as idades, como foi decidido em São Paulo, na última semana. Segundo os dois especialistas, não há dados que embasem tal decisão. A Anvisa já se manifestou contrariamente à medida.