Quando os jogadores da seleção brasileira estão reunidos para as refeições, Neymar é quem fica na ponta da mesa. Um sinal de respeito por quem só perde para Pelé em número de gols com a Amarelinha. Teve um dia na Granja Comary em que o lateral-direito Emerson Royal, um dos novatos da seleção no ciclo para a Copa do Mundo do Qatar, sentou-se por perto e distraiu-se olhando para a cabeceira da mesa enquanto comia. Cada garfada de Neymar, cada gole de suco, cada passada de guardanapo na boca.
“Royal, o que você está fazendo?”, perguntou aos risos o lateral-esquerdo Renan Lodi, que também fez parte desse grupo de caçulas. Só aí Emerson Royal acordou do transe: “Pô, eu estava olhando para o Neymar. O ser humano é fogo, às vezes você está fazendo isso e nem percebe.” Lodi entendeu perfeitamente o amigo: “Normal, eu também fiquei assim no primeiro dia.”
Pode parecer uma cena banal da rotina da seleção, mas ajuda a mostrar como Neymar é um ídolo para toda uma geração de jogadores que passou a ser convocada por Tite e tem grandes chances de estar na briga pelo hexa em novembro. Mas o dia a dia mostra outra camada da personalidade do camisa 10: o Neymar amigo, conselheiro e influente em relação aos novatos.
DA VISITA À APOSTA COM VINI
O atacante tenta levar ao campo o tom de descontração que ronda os corredores da concentração, ainda mais em uma fase positiva da seleção brasileira, com vitórias em sequência e classificação antecipada à Copa do Mundo. O clima é favorável. E Vini Jr. é uma das novas figurinhas acolhidas recentemente na seleção.
O desempenho na Europa colocou Vini como o principal nome do ataque do Brasil, depois de Neymar. A relação entre eles extrapola o ambiente da seleção, que tem rodas de altinha depois dos treinos e brincadeiras envolvendo finalizações. O entrosamento se viu até mesmo no mata-mata da Champions League. Neymar e Vini fizeram uma aposta. Em jogo, a classificação às quartas de final. O PSG perdeu e Neymar terá que pagar: vai bancar uma festa para o amigo no Brasil, durante as férias, no meio do ano.
A relação entre os dois ficou mais próxima quando Vini ainda estava no Flamengo. Em 2018, Neymar se recuperava de lesão em Mangaratiba e recebeu a visita do então atacante rubro-negro, que já era fã declarado. Neymar contou alguns de seus momentos na carreira. A partir dali, já começaram a trocar mensagens, antecipando o estreitamento de laços que aconteceria na seleção. Inclusive com as dancinhas na comemoração.
CONSELHOS PARA RICHARLISON
Naquele 2018, Neymar também começou a ter uma relação mais próxima com o Richarlison. Carismático, o atacante cativou até o filho do craque, Davi Lucca. O menino chegou a ficar ao lado do pai durante uma entrevista coletiva e pediu ao pé do ouvido, após uma resposta sobre Richarlison, que o jogador fizesse a dança do pombo no jogo seguinte.
Fora de campo, o clima de zoação entre os dois rendeu até uma gafe de Neymar. Sem querer, ele vazou o telefone do Pombo em uma live. Richarlison recebeu uma enxurrada de mensagens e precisou trocar de número.
Ano passado, outro retrato da boa relação entre os dois ocorreu antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio:
“Eu quero ver se você tem personalidade de pedir a 10.” Esse foi o desafio proposto por Neymar a Richarlison. Os dois foram companheiros de quarto durante a Copa América e estavam jogando videogame no dia em que o Richarlison conseguiu a liberação do Everton, da Inglaterra, para que ele fosse às Olimpíadas. Fora da competição, Neymar comemorou junto com o amigo, mas provocou: “Tem que assumir a responsabilidade agora.” Em uma ligação de Jardine, o Pombo pediu a camisa 10 e foi atendido. A campanha culminou com a medalha de ouro.
BERÇO SANTISTA COMPARTILHADO
No caso do atacante Rodrygo, a relação de amizade começou com pura idolatria. A diferença de idade entre eles é de nove anos. Quando Neymar despontava no Santos, Rodrygo começava na base. O menino se espelhava tanto no ídolo que na mesma época trocou o São Paulo pelo Santos. Em 2012, ano do centenário do clube, tiveram o primeiro encontro num evento em que foram reunidos jogadores de todas as categorias.
Rodrygo lembra com perfeição – e conta para quem quiser ouvir – do dia em que viu Neymar de perto pela primeira vez e foi cumprimentado pelo ídolo: “Pô, eu toquei nele. Foi muito especial”. Anos depois, eles são companheiros na seleção brasileira e conversam com frequência. Embora rejeite comparações diretas, Rodrygo gosta de se aconselhar com o antigo ídolo sobre aspectos de jogo, numa relação já amplamente observada por quem vive o dia a dia da seleção.
Com Raphinha, a história não muda. Neymar é ídolo, conselheiro e amigo, dizem pessoas próximas. No fim de semana da Páscoa, o jogador do Leeds United viajou para Paris e foi recebido em casa pelo colega de seleção.
Uma visão geral dos novatos sobre Neymar é que gostam de como sua personalidade combina rebeldia para fugir dos padrões em posicionamentos públicos e nas redes sociais com um senso de grupo e de união muito fortes nos bastidores. Neymar defende quem está próximo, mesmo que isso custe xingamentos, críticas e ódio, até por parte da mídia. Os jovens veem isso como a função de um jogador com o tamanho que Neymar tem.
Em campo, Neymar já assume que seu status não é o mesmo das duas edições anteriores da Copa do Mundo. Há mais candidatos a protagonista agora, como ele disse numa entrevista para o meia do Flamengo Diego, no Instagram: “Já joguei duas Copas, sei como funciona (…) Nessa Copa, eu não quero que a oportunidade passe pela minha mão. É meu maior sonho no momento (…) É aproveitar que a molecada está voando agora, eu só vou empurrar a bola para dentro (risos).”
Dos 85 jogadores convocados por Tite até agora na preparação para a Copa do Mundo, 47 são estreantes. Mais da metade. A próxima convocação é amanhã (11), de olho nos amistosos contra Coreia do Sul, Japão e Argentina.