Um barco carregado com 143 mil maços de cigarros contrabandeados do Paraguai foi apreendido no último sábado (5) ancorado numa praia de Itarema, litoral do Ceará.
O que poderia ser um fato surreal -afinal, o que tantos cigarros faziam dentro de um barco- na verdade foi apenas mais um episódio de uma mudança no comportamento dos contrabandistas de cigarros que atuam nas regiões Nordeste e Norte do país.
Com o recrudescimento da fiscalização nos últimos anos nas tradicionais fronteiras do Paraguai com Paraná e Mato Grosso do Sul, o crime organizado tem optado cada vez mais por levar a droga até o Suriname e, de lá, distribuir para os estados do Nordeste e do Norte por via marítima.
Em agosto, um barco carregado de cigarros encalhou em Cajueiro da Praia (PI) e foi encontrado pela Marinha sem tripulantes, o que resultou numa operação da PF (Polícia Federal) pouco mais de um mês depois.
Só que a rota seguiu em uso pelos criminosos, que encalharam mais um barco em novembro, com 5.000 caixas de cigarro. Segundo a PF, o valor chega a R$ 10 milhões.
Em geral, são marcas fabricadas no Paraguai ou até mesmo em países asiáticos, que abastecem os estados das duas regiões sem necessidade de cortar o país pelo Sudeste e Centro-Oeste até chegar aos destinos, segundo policiais federais e a FNCP (Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade).
No Rio Grande do Norte, por exemplo, o avanço dos cigarros contrabandeados fez despencar a arrecadação do governo estadual com o setor.
Dos R$ 61 milhões arrecadados em 2016, o montante caiu para R$ 34 milhões, em 2019, e deve fechar este ano com R$ 30 milhões.
“É uma queda brutal. Se fosse porque o consumo de cigarro reduziu, seria ótimo, mas não, é avanço do cigarro contrabandeado mesmo”, disse Álvaro Luiz Bezerra, secretário-adjunto da Tributação do estado.
No estado, já foram identificadas entradas por via marítima, de onde são transferidos para veículos para seguirem viagem terrestre. “Cada vez mais eles procuram meios de entrar. Pelo mar, foram registrados casos nas regiões de Macau e Areia Branca.”
De acordo com ele, os impactos do crescimento da presença do cigarro fabricado no exterior incluem também a saúde pública. “O cigarro tem carga tributária considerada alta, de 75% a 80% do preço, por ser algo não essencial e pela carga que ele causa na saúde pública. Com o preço baixo do contrabandeado, eleva o consumo, diminui a arrecadação e aumenta o impacto na saúde pública”, disse.
No estado, a participação dos cigarros ilegais no mercado é de 79%, muito acima da média nacional, de 57% no ano passado, mas que tem subido a cada ano. Em 2015, era 39% e, em 2018, chegou a 54%.
No Ceará, houve crescimento de 20 pontos percentuais em cinco anos e as marcas ilegais representam 75% do consumo, conforme a indústria. Já em Pernambuco, o índice dos ilegais segue a média nacional, 57%, num mercado dominado pelas marcas paraguaias Gift e Eight, com 21% e 18% de participação no mercado, respectivamente.
No país vizinho, a carga tributária do cigarro é de 18%, enquanto no Brasil varia de 71% a 90%, dependendo do estado.
No Nordeste, o preço médio do cigarro no mercado ilegal é de R$ 3,50, metade do preço do cigarro nacional mais barato praticado em alguns estados.
“Isso mostra o tanto que compensa para a criminalidade o contrabando de cigarros. Há o domínio do Paraguai, grande parte da produção deles é destinada especificamente ao contrabando, mas é tão atrativo que outras organizações criminosas se animaram a trazer via Suriname, via Guiana, cigarros coreanos e até mesmo paraguaios, chegando por essa rota norte”, disse Edson Vismona, presidente da FNCP.
Segundo ele, não é justo jogar toda a responsabilidade de combater a prática nas forças de segurança, já que tem a questão da demanda envolvida. “É preço, sempre é preço. O contrabandeado é vendido pela metade do preço, porque não paga imposto. A margem deles é imensa.”
Não são só os cigarros paraguaios que estão entrando no mercado das regiões Norte e Nordeste pelo mar.
Marcas fabricadas na Coreia do Sul, no Reino Unido e nos EUA também têm sido encontradas nas bancas de venda em estados do Nordeste.
A norte-americana Bellois foi a terceira mais consumida na região em 2019, com 8% do total, ante os 2% de 2016, segundo dados do Ibope. Já a marca coreana Pine chegou a 14% em julho, superando marcas paraguaias como Gift e Eight.
A polícia investiga se uma das apreensões envolve um grupo que praticaria essa modalidade de crime há cerca de dez anos e que teria sido ampliada nos últimos anos devido à maior rigidez da fiscalização nas fronteiras do Sudeste e Centro-Oeste.
Marcelo Toledo/Folhapress