Um estudo da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, indica que a ascensão de ideias, partidos e líderes populistas no mundo sofreu um efeito de reversão em decorrência das crises provocadas pela pandemia de coronavírus.
Segundo os pesquisadores do Centro para o Futuro da Democracia, o que eles chamam de “colapso da onda populista” se deve principalmente ao fato de que os líderes com esse perfil político foram mal avaliados por suas posturas diante da crise sanitária. O relatório “O Grande Recomeço: Opinião Pública, Populismo e Pandemia” baseou-se em entrevistas realizadas com mais de 81 mil pessoas, em 27 países, pelo instituto YouGov.
Os entrevistados foram questionados, por exemplo, sobre o nível de confiança nos governantes como fonte de informação sobre a Covid. Por essa métrica, o brasileiro Jair Bolsonaro (PL) foi ranqueado como o terceiro pior entre 20 lideranças mundiais, à frente apenas do japonês Yoshihide Suga –que renunciou ao posto em setembro– e do polonês Andrzej Duda. Na outra ponta da lista estão a dinamarquesa Mette Frederiksen, o sueco Stefan Löfven (outro que já deixou o cargo) e o italiano Mario Draghi.
“A falta de confiança nos líderes populistas não deveria ser especialmente surpreendente”, escrevem os pesquisadores. “Ao longo da pandemia, os populistas se gabaram, ofuscaram e enganaram.”
Bolsonaro é citado entre três exemplos dessa prática. O relatório lembra o fato de que o brasileiro se referiu à Covid-19 como uma “gripezinha” e vetou a legislação que tornava obrigatório o uso de máscaras –decisão que depois foi revertida pelo Congresso.
Junto de Bolsonaro nessa onda estão Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos, e o líder mexicano Andrés Manuel López Obrador. O estudo recorda que o americano insinuou que o coronavírus poderia ser destruído por injeções de desinfetante e, mais tarde, que poderia desaparecer sem vacina.
AMLO, por sua vez, incentivou a população a ignorar as recomendações de distanciamento e a continuar dando beijos e abraços porque, segundo ele, nada aconteceria. Também disse que estava protegido da Covid por amuletos religiosos –meses mais tarde, foi contaminado e, há duas semanas, reinfectado.
O estudo de Cambridge aponta ainda que outro fator que contribuiu para frear as lideranças populistas foi a redução do nível de polarização em âmbito global. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores compararam dados de períodos pré-pandemia com os coletados no ano passado.
No caso do Brasil, por exemplo, em novembro de 2018, quase 60% dos entrevistados diziam não gostar de pessoas que apoiavam partidos opostos à sua visão política. No dado mais recente, esse número caiu para menos de 40%. “Populistas tradicionalmente contribuem para o tribalismo político ao politizarem assuntos que geram divisões e ao enfatizarem o discurso polarizador de ‘nós (o povo) contra eles (o establishment)'”, explicam os autores.
Uma das explicações para essa redução da polarização em nível global, segundo o estudo, está no fato de que, como um desafio que afeta toda a sociedade, a Covid-19 gerou respostas baseadas em unidade e propósitos em comum. “Com a maioria dos cidadãos unida pelo objetivo de superar a pandemia, menos eleitores ficaram suscetíveis aos discursos que geram polarização e à ideologia de líderes populistas”, concluem os autores.
O relatório sugere, por fim, que as descobertas são “tranquilizadoras para o futuro da democracia ocidental”, indicando que ao redor do mundo as ondas populistas parecem estar passando. Enquanto Trump já deixou o cargo, a pesquisa afirma que Bolsonaro, Viktor Orbán, na Hungria, e Recep Tayyip Erdogan, na Turquia, devem enfrentar uma dura luta para se reeleger.
“Ainda que o apoio para a democracia tenha enfraquecido e a satisfação com a democracia permaneça frágil, o pós-pandemia deve se tornar um ambiente mais difícil para políticos populistas mobilizarem e sustentarem apoio.”