A CPI da Covid-19 decidiu nesta quarta-feira (11) que vai sugerir o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro pelos crimes de curandeirismo, charlatanismo, de epidemia e de publicidade enganosa, entre outros. Somados, eles podem resultar em uma pena máxima superior a 18 anos de prisão.
A medida foi discutida nesta quarta (11) entre o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), o vice-presidente, Randolfe Rodrigues, e o relator, Renan Calheiros (MDB-AL). Um relatório interno detalhado já foi feito elencando os crimes e suas penas.
Depois de concluir seus trabalhos, a CPI faz um relatório e encaminha ao Ministério Público Federal com sugestões de indiciamento daqueles que entender que cometeram crimes.
De acordo com Renan Calheiros, a decisão foi tomada depois da primeira parte do depoimento do diretor da farmacêutica Vitamedic, Jailton Batista, em que ficou claro que a empresa patrocinou a publicidade do tratamento precoce e do kit covid, que incluía a ivermectina, como se ele tivesse efeito contra a Covid-19, o que não é verdadeiro. O presidente Jair Bolsonaro foi um dos principais propagadores do uso do remédio no tratamento da Covid.
A equipe de Renan Calheiros selecionou sete vídeos em que o presidente aparece falando bem do medicamento, em lives, discursos ou em conversas com apoiadores na entrada do Palácio da Alvorada. Em um deles, Bolsonaro chegou a dizer que o remédio mata “bichas”.
Os senadores vão enquadrar também as fabricantes de ivermectina. A Vitamedic, por exemplo, multiplicou as suas vendas durante a pandemia, mesmo após haver comprovação científica de que o medicamento não é eficaz no tratamento da Covid-19. O salto na venda de ivermectina chegou a 1.105%.
Além disso, destinou R$ 717 mil para financiar manifestos em defesa do chamado tratamento precoce, feitos pela organização Médicos pela Vida. Ou seja, a fabricante que lucraria com as vendas do medicamento pagou uma publicidade em que médicos defendiam o tratamento precoce, sem eficácia comprovada. Os senadores afirmaram que a atitude é antiética, que a empresa só pensou em seus próprios ganhos e que isso custou vidas.
Em seu depoimento, Jailton Batista reconheceu que a desenvolvedora do medicamento, a americana Merck, publicou estudo no qual atesta que a ivermectina não é eficaz para o tratamento da Covid-19.
O enquadramento do presidente em artigos do Código Penal por causa da ivermectina não exclui a possibilidade de que ele seja apontado como responsável por outros crimes até o fim dos trabalhos da comissão.
O Código Penal enquadra como crime de epidemia a prática de “causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos”, com reclusão prevista de dez a quinze anos. “Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro”, diz a legislação.
O crime de charlatanismo, por sua vez, prevê multa e detenção de três meses a um ano para aqueles que anunciam “cura por meio secreto ou infalível”, enquanto o crime de curandeirismo estebelece detenção de seis meses a dois anos para quem exerce a medicina ilegalmente prescrevendo, ministrando ou aplicando qualquer substância, usando palavras e fazendo diagnósticos.
Além das empresas e de Bolsonaro, a equipe do relator elenca que outros agentes públicos que devem ser indiciados são o ex-ministro Eduardo Pazuello, o ex-secretário-executivo da Saúde Elcio Franco, a secretária de Gestão do Trabalho e Educação do Ministério da Saúde Mayra Pinheiro e o ex-chanceler Ernesto Araújo.
Essas autoridades podem responder pelos crimes de epidemia, infração de medida sanitária, curandeirismo, advocacia administrativa e corrupção passiva.
Existia a possibilidade de indiciamento por charlatanismo. No entanto, alguns assessores legislativos defendem que o crime de charlatanismo seja retirado dos enquadramentos possíveis, pois trata apenas de cura por “meio secreto” ou “infalível”. Por isso recomendaram a Renan que trabalhe apenas com a hipótese do crime de curandeirismo.
O senador Humberto Costa confirmou durante a sessão da CPI a informação de que o relator Renan Calheiros pretende indiciar o presidente da República por curandeirismo.
“A culpa principal [pelo uso de medicamentos sem eficácia comprovada] é do presidente da República. O senhor Jair Bolsonaro atuou como se fosse um curandeiro, anunciando cura infalível para uma doença em que isso efetivamente não existe. Eu já falei com o Relator e eu sei o que ele vai fazer”, disse o senador.
“Ele vai indiciá-lo pelo descumprimento do Código Penal, no artigo 284: prescrever, ministrar ou aplicar qualquer substância com o discurso de que é milagrosa ou infalível. Vai ser indiciado, sim. Tenho certeza, tenho convicção”, completou.
Após a sessão, Renan Calheiros e Randolfe Rodrigues concederam entrevista a jornalistas, na qual evitaram falar de maneira definitiva sobre os indiciamentos, mas indicaram essa será a tendência. Ambos ainda levaram a hipótese de que haja o enquadramento em outros crimes, como homicídio e medicina ilegal, além de atingir outros agentes públicos.
“O depoimento de hoje, os fatos já denunciados pela imprensa nacional, demonstram, com relação a elevação da produção e das vendas desses medicamentos sem eficácia, crimes de agentes políticos públicos e de parte da indústria que introduziu e que elevou a produção e criminosamente pagou publicidade dos Médicos Pela Vida sobre o uso desses medicamentos”, disse Renan.
“Isso deverá configurar curandeirismo, crimes de epidemia, charlatanismo, medicina ilegal, homicídio. A perspectiva é que o relatório contemple isso”, completou.
Em relação ao crime de epidemia, que prevê pena de 10 a 15 anos de prisão, a equipe de Renan Calheiros acrescenta que está configurada uma “omissão penalmente relevante” do presidente e de agentes públicos no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.
Jair Bolsonaro também deve ser indiciado pelo crime de infração de medida sanitária. Renan e sua equipe afirmam nos bastidores que todos os passeios em que promove aglomerações e a recusa a usar máscara são suficientes para mostrar a culpa do chefe do Executivo.
Os crimes de corrupção elencados no documento ainda são objeto de apuração da pandemia. Investiga-se se o laboratório Vitamedic, que multiplicou as vendas de ivermectina, documento sem comprovação de eficácia para o tratamento da Covid-19, pagou vantagens aos agentes públicos – o que configuraria, para esses agentes, corrupção passiva.
O documento lista apenas o caso da Vitamedic, pois se referia ao depoimento colhido nesta quarta-feira pela comissão, do diretor da empresa, Jailton Batista.
A mesma Vitamedic e seus diretores devem responder também pelo crime de publicidade enganosa. Reportagem do jornal Folha de S.Paulo mostrou que a empresa bancou anúncios publicitários, com investimento total de R$ 717 mil, no qual a associação Médicos Pela Vida defende e propaga o chamado tratamento precoce.
Um interlocutor no gabinete de Renan afirma que o foco desse documento, nas questões empresariais, foram focados na Vitamedic. No entanto, a equipe já considera inevitável que a Precisa Medicamentos e seus representantes também respondam pelo crime de corrupção ativa.