Advogada da família da menina de 11 anos que busca na Justiça catarinense o direito ao aborto legal, Daniela Felix afirma que a criança não tem discernimento completo a respeito da situação vivida por ela.
“É óbvio que isso vai gerar sequelas de natureza emocional e psicológica a curto, médio e longo prazo. É uma criança que deveria estar brincando de boneca”, diz.
Vítima de um estupro, a menina foi encaminhada ao Hospital Universitário de Florianópolis para realizar um aborto. A equipe médica, porém, se recusou a realizar o procedimento porque a gestação já passava de 22 semanas –norma do Ministério da Saúde recomenda “limitar o ingresso para atendimento ao aborto previsto em lei com 20 semanas de idade gestacional”, mas a orientação não tem força de lei.
O caso foi judicializado e a magistrada Joana Ribeiro Zimmer, do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina), e a promotora Mirela Dutra Alberton, do MP-SC (Ministério Público de Santa Catarina), tentaram induzir a menina a desistir do aborto legal, conforme revelou o site The Intercept.
Em audiência no dia 9 de maio, a juíza e a promotora propuseram que a menina mantivesse a gravidez por mais “uma ou duas semanas”, para aumentar a chance de sobrevida do feto.
“Você suportaria ficar mais um pouquinho?”, questiona a juíza, em vídeo publicado pelo site. A promotora Alberton diz: “A gente mantinha mais uma ou duas semanas apenas a tua barriga, porque, para ele ter a chance de sobreviver mais, ele precisa tomar os medicamentos para o pulmão se formar completamente”.
O Ministério Público entrou com uma ação pedindo autorização judicial para a interrupção da gravidez e com uma medida protetiva de acolhimento provisório –segundo o órgão, para proteger a criança e evitar possíveis novos abusos.
Há mais de um mês, a menina foi encaminhada para um abrigo. Apenas na tarde desta terça-feira (21), a Justiça autorizou que ela deixe o local e volte a viver com a mãe, segundo informou a advogada da família à Folha.
Felix ingressou com um habeas corpus no TJ nesta tarde para garantir que a menina tenha direito ao aborto legal, sem qualquer óbice devido ao tempo de gestação (ela está para entrar na 29ª semana).
O Código Penal prevê que não pode ser punido o aborto realizado no caso de gravidez resultante de estupro ou quando a vida da gestante está em risco. Ambos os casos se aplicam à criança, afirma a advogada.
A lei não estipula um limite de semanas para que o procedimento seja realizado nessas situações.
A advogada diz que já há uma decisão judicial autorizando a interrupção da gravidez, mas que ela é precária porque tem como intenção explícita salvaguardar a vida não só da menina, mas também do feto –portanto, impede que a gestação seja terminada muito prematuramente.
A reportagem do Intercept, feita em colaboração com o portal Catarinas, diz que, embora o primeiro laudo médico tenha apontado que não havia risco de morte para a menina, outros médicos do mesmo hospital avaliaram o contrário em depoimentos na audiência e em outros laudos anexados ao processo.
Entre os riscos, estariam anemia grave, pré-eclâmpsia, maior chance de hemorragias e histerectomia (retirada do útero).
A juíza Joana Zimmer foi promovida no dia 15 de maio e transferida da Comarca de Tijucas para a de Brusque. Portanto, não atua mais no caso da menina.
No Brasil, o aborto é permitido em casos de estupro, risco para a mãe e anencefalia do feto –este último caso foi garantido por uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) em 2012.
De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), o aborto é a interrupção da gravidez antes do início da 22ª semana de gestação. Norma técnica do Ministério da Saúde, contudo, recomenda “limitar o ingresso para atendimento ao aborto previsto em lei com 20 semanas de idade gestacional”.
O documento, intitulado Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes, traz apenas orientações aos profissionais da saúde, sem força de lei.