A ampliação da base aliada do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pode criar um cenário de palanques duplos e até triplos em seu apoio nos estados na eleição do próximo ano. De um lado, o chamado bolsonarismo raiz -aquele que ascendeu junto com ele em 2018- briga para manter o seu protagonismo junto ao presidente e busca voos mais altos em 2022. De outro, novos aliados de Bolsonaro, sobretudo do centrão, também miram governos estaduais.
O cenário de múltiplos palanques deve se consolidar em estados das regiões Norte e Sul do país, onde o presidente tem um eleitorado mais fiel, consolidando uma disputa fratricida dentro da base aliada.
Santa Catarina é um dos estados onde esta divisão aparece com maior clareza. A base bolsonarista rachou após o afastamento temporário do governador Carlos Moisés (PSL), eleito junto com Bolsonaro na onda conservadora de 2018, mas que respondeu a dois processos de impeachment –se livrou de ambos.
A vice-governadora Daniela Reinehr (sem partido) assumiu o governo provisório, rompeu com o governador e se aproximou de líderes do centrão como o senador Jorginho Mello (PL).
Pré-candidato ao Governo de Santa Catarina, Mello juntou-se à base aliada de Bolsonaro após a sua posse e ganhou os holofotes como um dos principais defensores do presidente na CPI da Covid.
Em alta no Planalto, o senador trouxe para perto de si um dos auxiliares mais próximos de Bolsonaro. O secretário nacional da Pesca, Jorge Seif, apelidado de 06 pela proximidade com o presidente, filou-se ao PL com planos de concorrer ao Senado.
Aliados de Carlos Moisés, que retornou ao cargo nesta sexta-feira (7) após ser absolvido no processo de impeachment, dizem que ele se fortaleceu para disputa da reeleição. E dizem que o presidente deve apoiar a empreitada.
“É muito fácil a pessoa ir para o lado de um candidato que já é o presidente, como Bolsonaro é agora. Difícil é fazer o que a gente fez lá atrás. Apoiamos o presidente quando ninguém acreditava nele”, afirma Lucas Esmeraldino, secretário estadual de Articulação Nacional do governo Carlos Moisés.
Ele dispara contra Jorginho Mello, potencial adversário do governador, a quem classifica de fisiológico. “Ele apoiou Lula, Dilma e agora está com Bolsonaro. Ele está com que estiver no poder”. Procurado, Mello não atendeu ao pedido de entrevista da reportagem.
O cenário é parecido no Amazonas, outro estado onde o governador esteve nas cordas enfrentando um processo de impeachment. Wilson Lima (PSC) deve buscar a reeleição em 2022 ancorado no presidente.
Lima chegou a ter embates com Bolsonaro no início da pandemia. Meses depois voltou a se alinhar com o presidente após enfrentar um pedido de impeachment, que foi arquivado.
O governador não é o preferido da ala raiz do bolsonarismo, que impulsiona o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello (sem partido) como possível candidato a governador.
Principal nome ligado ao presidente no Amazonas, Coronel Menezes (sem partido) afirma que vai concorrer ao Senado. Ele não é aliado de Lima, mas não fecha as portas para o governador.
“Os dois primeiros anos do governador foram de aprendizado. Mas me parece que ele agora assumiu as rédeas do governo e está sinalizando uma aproximação com o presidente”, diz Menezes.
Dentre os partidos do centrão, o deputado federal Marcelo Ramos (PL) se movimenta para disputar o governo do Amazonas. Ele reuniu-se com o ex-presidente Lula (PT) em Brasília nesta quarta-feira (5).
No Pará, dois nomes se articulam para concorrer na base bolsonarista contra o governador Helder Barbalho (MDB): o senador Zequinha Marinho (PSC) e o delegado da Polícia Federal Everaldo Eguchi (PSL).
Derrotado na disputa pela Prefeitura de Belém no ano passado, Eguchi chegou ao segundo turno superando o candidato do governador, o deputado federal José Priante (MDB). De olho na eleição do próximo ano, trocou o Patriota pelo PSL para entrar na disputa com uma estrutura mais robusta.
Eguchi afirma que a ideia é tentar evitar a fragmentação da base do presidente no estado: “Espero que toda oposição ao Barbalho esteja junta, se possível em uma grande coalização”, diz.
Em Rondônia, pode haver palanque triplo ou até quadruplo para o presidente. O governador Coronel Marcos Rocha (sem partido) disputa a reeleição amparado pelo bolsonarismo que o elegeu há três anos.
Rocha tem sido criticado por setores mais radicais do bolsonarismo por decretar medidas de restrição para conter a pandemia, mas tem recebido sinalizações positivas do presidente.
Há cerca de um mês, foi recebido por Bolsonaro no Palácio do Planalto. Nesta sexta-feira, o presidente retribuiu a visita, indo ao estado inaugurar uma ponte entre os estados de Rondônia e Acre.
O governador aproveitou a visita do presidente para afagá-lo: “Sou fiel ao senhor como poucos”, disse Marcos Rocha em discurso, tendo na plateia um de seus potenciais adversários no próximo ano, o senador Marcos Rogério (DEM).
Membro da CPI da Covid, Rogério tem sido um dos anteparos do presidente na investigação conduzida pelo Senado e tenta se capitalizar junto a grupos bolsonaristas como candidato ao governo.
Além do governador e senador, o empresário e pecuarista Jaime Bagattoli (PSL) também se movimenta para disputar o governo, assim como o ex-governador Ivo Cassol (PP). Este último, contudo, enfrenta pendências judiciais: foi condenado em 2018 por fraude em licitações e está inelegível.
Dentre os estados do Nordeste, Maranhão e Paraíba podem ter palanque duplo para Bolsonaro. No primeiro, o deputado federal Josimar de Maranhãozinho (PL) se aproximou do presidente e diz ser pré-candidato ao governo.
Na ala raiz, contudo, o prefeito de São Pedro dos Crentes, Lahesio Bonfim (PSL), e a prefeita de Lago da Pedra, Maura Jorge (PSDB) também podem disputar o cargo como representantes do bolsonarismo.
Na Paraíba, o ex-prefeito de Campina Grande Romero Rodrigues (PSD) desponta como pré-candidato aliado do presidente, mas pode ter pela frente uma coalizão bolsonarista que sairá da união entre o delegado Wallber Virgolino (Patriota) e o radialista Nilvan Ferreira (MDB).
O cientista político Cláudio Couto, professor da FGV Eaesp (Fundação Getulio Vargas), afirma que os palanques estaduais de Bolsonaro devem ser marcados pela fragmentação, repetindo o cenário da eleição municipal de 2020.
Sem um partido com estrutura sólida, diz Couto, o presidente terá dificuldade em construir uma coordenação nacional, impor alianças regionais e unir candidatos em um único palanque nos estados.
“Em 2020 foi um barata-voa. E acredito que isso deve se repetir no próximo ano. Em um partido pequeno e com filiação em cima da hora, o presidente terá menor capacidade de liderar uma frente nacional com ramificações locais”, avalia.
As disputas entre bolsonaristas e centrão podem gerar faíscas em alguns estados, com partidos como PP e PL migrando para uma terceira via ou até mesmo para o campo lulista. “O centrão não tem muita lealdade, ele que amarra o barco naquele porto que for o mais seguro”.