O 17 de maio é um dia de resistência para uma parcela da população. Ele lembra uma decisão tomada há 31 anos que mudou o modo de vida de pessoas LGBTQIA+ em todo o mundo.
Naquele 17 de maio de 1990, a OMS (Organização Mundial da Saúde) retirou o homossexualismo (o sufixo “ismo” refere-se a uma doença na medicina) de sua listagem de enfermidades.
Antes da mudança, a homossexualidade (o sufixo “dade” significa comportamento) estava no mesmo patamar de transtornos como a pedofilia.
A decisão da maior organização que lida com questões relacionadas à saúde no mundo virou um marco e também o Dia Internacional contra a Homofobia e a Transfobia.
Em 1973, a Associação Americana de Psiquiatria já havia banido a homossexualidade de sua lista de distúrbios.
No Brasil, em 1985, o Conselho Federal de Medicina também havia tomado a mesma medida após ser pressionado por um abaixo-assinado promovido por ativistas do Grupo Gay da Bahia, que reuniu assinaturas de artistas, como Caetano Veloso e Gilberto Gil.
A despatologização da homossexualidade promovida pela OMS representa muito porque, de certa forma, uniformiza a questão no mundo. No último catálogo de classificação de doenças da entidade, de 2019, pessoas transgênero também deixaram de ser tratadas como se tivessem um distúrbio.
No entanto, a decisão da OMS criou um campo de disputa por parte de um grupo de psicólogos cristãos no país, que viram numa brecha deixada pela organização a possibilidade de promover tratamentos que ficaram conhecidos como “cura gay”.
Ficou em aberto a possibilidade de as pessoas que não se sentiam confortáveis com a sua homossexualidade, a oportunidade de elas passarem por um tratamento. Essas pessoas tinham, segundo a OMS, orientação sexual egodistônica.
E foi nessa brecha que esses grupos de psicólogos conseguiram promover as terapias que prometiam fazer a reversão sexual em pessoas LGBTs no Brasil.
Numa ofensiva na Justiça, os psicólogos obtiveram decisões liminares que os ampararam nos supostos tratamentos de “cura gay”, uma vez que o próprio conselho que regulamenta a atuação da categoria no país proibia esse tipo de prática nos consultórios.
A resolução 001, de 1999, do Conselho Federal de Psicologia, entende que não é possível curar uma doença que não existe, caso da homossexualidade e da transexualidade.
“Movimento Psicólogos em Ação”, o mais engajado na promoção da “cura gay”, também se alinhou a políticos evangélicos para tentar legalizar as terapias de reversão sexual por meio de projetos de lei –a maioria das propostas apresentadas na Câmara Federal foi derrubada.
Mas a “cura gay” foi um serviço legalmente fornecido no Brasil de setembro de 2017 a abril de 2019 até que a ministra Cármen Lúcia, do STF, barrou a prática por meio de liminar que atendeu a um pedido do Conselho Federal de Psicologia. Em janeiro do ano passado, a ministra suspendeu a tramitação da ação popular movida pelos psicólogos cristãos.
A egodistonia perdeu status de transtorno psíquico em 2019, na última atualização do catálogo de doenças da OMS, que passa a valer em janeiro de 2022.
Para Pedro Paulo Bicalho, presidente do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, o desconforto sentido por uma pessoa LGBTI não é um problema dela, mas social.
“Essa sensação de rejeição [egodistonia] em relação à própria sexualidade é o efeito mais direto que uma pessoa não heterossexual vive na sociedade LGBTfóbica brasileira”, diz. “Cabe a nós, psicólogos, tratar a dor causada por isso, mas nunca dizer que ela poderá deixar de ser LGBTI”.
Mas o próprio Conselho Federal de Psicologia já disse ter flagrado em inspeções realizadas em comunidades terapêuticas, espaços que funcionam para o tratamento de pessoas com dependência química, LGBTs sem vícios sendo submetidas a tratamentos de reorientação sexual.
Desafios e conquistas dos LGBTIs
A partir dos anos 1950
Surgem as divas trans que se tornam grandes estrelas no Brasil e na Europa, como Rogéria, Jane di Castro, Eloína e Fujika, entre outras
1969
LGBTs de Nova York colocam fim às agressões que sofriam em batidas policiais realizadas num bar da cidade, o Stonewall Inn. O grupo resistiu por três dias em 1969, numa época em que se relacionar com pessoas do mesmo sexo era ilegal em todos os estados americanos.
O movimento estimulou uma marcha sem volta de LGBTs por mais igualdade de direitos em várias partes do mundo e ficou conhecido como a revolta de Stonewall
1973
A Associação Americana de Psiquiatria bane a homossexualidade de sua lista de distúrbios 1978
Início do movimento pelos direitos LGBT no Brasil. É fundado, no Rio de Janeiro, o jornal Lampião na Esquina, voltado para as questões da comunidade. Em São Paulo, surge o Somos
1982 Ocorre a famosa passeata contra o delegado José Wilson Richetti, que realizava batidas policiais no centro de São Paulo contra travestis, gays e prostitutas sobre o pretexto de moralização social
1983
Em 19 de agosto de 1983, um protesto realizado por lésbicas e apoiado por grupos feministas pôs fim às discriminações sofridas no Ferro’s Bar, centro de SP. O ato ficou conhecido como o “Stonewall brasileiro”
Anos 1980 e 1990
Anos de pânico: o HIV chega ao Brasil e faz estrago conhecido como “peste gay”. Na Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo é organizado o primeiro núcleo de luta anti-Aids. Morrem Darcy Penteado, Caio Fernando Abreu e Cazuza por complicações da doença
1985
O Conselho Federal de Medicina retira a homossexualidade de sua lista de doenças
1990
OMS (Organização Mundial da Saúde) retira a homossexualidade de sua lista de transtornos mentais
1992
No Piauí, Kátia Tapeti é eleita a primeira vereadora trans na história da política brasileira
1995
As primeiras Paradas do Orgulho LGBT são realizadas em Curitiba e no Rio
1997
A cidade de São Paulo sedia sua primeira Parada LGBT. Em 2006, a passeata paulistana entra para o Guinness Book como o maior evento do gênero
2001
O governo de São Paulo promulga a lei 10.948 que penaliza práticas discriminatórias em razão da orientação sexual e identidade de gênero
2002
O processo de redesignação sexual, a chamada cirurgia de “mudança de sexo” do fenótipo masculino para o feminino é autorizada pelo Conselho Federal de Medicina. Em 2008, passa a ser oferecida pelo SUS (Sistema Único de Saúde)
2011
STF (Supremo Tribunal Federal) reconhece a união homoafetiva, um marco na luta pelos direitos LGBT
2018
STF decide que transexuais e transgêneros podem mudar seus nomes de registro civil sem necessidade de cirurgia
2019
STF enquadra a homofobia e a transfobia na lei de crimes de racismo até que o Congresso crie legislação própria sobre o tema
2020
STF declara inconstitucionais as normas que proíbem gays de doar sangue
Com informações do Livro Devassos no Paraíso – João Silvério Trevisan. Editora OBJETIVA