Um ano depois de dar à luz após ter sido estuprada e ter o direito ao aborto negado, uma menina de 11 anos moradora da zona rural de Teresina foi novamente vítima de violência sexual e está grávida pela segunda vez.
Exame realizado nesta sexta-feira (9) no Serviço de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência, da Maternidade Dona Evangelina Rosa, em Teresina, constatou que a menina está grávida de três meses.
Ela tinha dez anos quando engravidou após ser estuprada em um matagal por um primo de 25 anos, em janeiro de 2021.
A menina prosseguiu com a gestação e deu à luz em setembro do mesmo ano. A mãe, uma dona de casa de 29 anos, não autorizou o aborto da filha e afirmou que o médico afirmara que a menina apontara risco de morte no procedimento.
A lei brasileira permite o aborto nos casos de estupro e risco de morte para a gestante, e uma decisão da Justiça estendeu o aval para casos de anencefalia do feto.
A menina também decidiu não realizar o aborto –na época, ela estava com quase dois meses de gestação. O primo que a estuprou foi assassinado pouco tempo depois por motivos que a família diz desconhecer.
Desde que o filho nasceu, a menina abandonou a escola, se nega a ter tratamento psicológico e vive um conflito com os pais.
Há cerca de um mês, passou a viver em um abrigo em Teresina e educadores do local desconfiaram de que ela estaria novamente grávida.
“Ela estava sem menstruar, arredia e com comportamentos suspeitos. Levamos na maternidade para fazer exame e foi constatado que ela está grávida de três meses. Foi um susto, um choque”, disse a conselheira tutelar Renata Bezerra, do núcleo da zona sudeste de Teresina, que acompanha o caso.
Segundo a conselheira, o pai defendeu que a menina fizesse um aborto legal, mas a mãe não autorizou. Por isso a interrupção da gravidez não foi realizada na maternidade Dona Evangelina Rosa.
“A menina já vive um trauma da primeira gravidez, não tem condições de cuidar de mais uma criança. Ela está sem dormir, perdendo sua infância. Mas a mãe não autorizou o aborto”, disse Renata Bezerra.
À reportagem a mãe da menina disse que soube há uma semana que a menina foi violentada por um tio.
“Fiquei sem chão quando soube, indignada. Ela estava morando com o pai, na casa da avó, e o tio que a estuprou estava dormindo no mesmo quarto que ela”, disse a mãe. Ela ainda afirmou que não autorizou a interrupção da gestação porque “aborto é crime”.
O primeiro filho da menina está sob os cuidados do avô. Segundo a conselheira tutelar, ele solicitou uma cesta básica para poder alimentar o neto, pois está desempregado e mora com mais cinco pessoas.
O estupro está sendo investigado pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente. O suspeito do crime continua solto, segundo familiares.
A única renda fixa da mãe, que está desempregada, são os R$ 600 do Auxílio Brasil.
OUTROS CASOS
O tema do acesso ao aborto legal por crianças vítimas de violência sexual voltou à tona em junho deste ano, quando reportagem do site The Intercept Brasil revelou que uma menina de 11 anos foi induzida a desistir do procedimento após ser questionada por uma juíza se “suportaria” manter a gestação “mais um pouquinho” –a menina estava na 22ª semana de gravidez. Após a repercussão da reportagem, a criança conseguiu realizar o procedimento.
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mais recente, no entanto, mostram que esses casos são apenas exemplos de uma situação muito mais grave: ao menos 30.553 meninas de até 13 anos foram estupradas em 2021, de acordo com o levantamento. Incluídos os meninos da mesma faixa etária, são 35.735 registros de violência sexual em um ano.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública reuniu os dados a partir de consultas com os governos de todas as unidades da Federação sobre registros de ocorrências em delegacias. Para os crimes de estupro em geral, houve um aumento de 4,2% em relação a 2020. Crianças e adolescentes de até 13 anos, incluindo gênero feminino e masculino, representam 61,3% do total de vítimas –em 2020, o índice foi de 60,6% e, em 2019, de 57,9%.
Em agosto de 2020, outro caso ganhou destaque. Uma menina de dez anos, grávida após ser estuprada por um tio, precisou sair do Espírito Santo, onde morava, para conseguir fazer um aborto no Recife. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo de Jair Bolsonaro (PL) tentou demover a avó da criança da ideia do procedimento, como mostraram reportagens do jornal Folha de S.Paulo à época.