O papa Francisco disse neste domingo (6) que ficou triste com a descoberta dos restos mortais de ao menos 215 crianças em um antigo internato administrado pela Igreja Católica para crianças e adolescentes indígenas no Canadá.
A falta do pontífice, no entanto, ficou aquém das expectativas de que, como líder da igreja, Francisco fizesse um pedido oficial de desculpas. Na última sexta-feira (4), o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, reiterou o apelo para que o Vaticano assuma a responsabilidade por seu controverso papel na administração das escolas para povos originários.
Falando a turistas e fiéis na Praça de São Pedro, o papa exortou os líderes religiosos católicos e os políticos canadenses a “cooperar com determinação” para lançar luz sobre a descoberta dos corpos e buscar reconciliação e cura. Para ele, a descoberta dos corpos “aumenta ainda mais a compreensão da dor Estes momentos difíceis representam um forte apelo a todos nós para nos afastarmos do modelo colonizador e também das atuais colonizações ideológicas, e marcharmos lado a lado no caminho do diálogo, do respeito recíproco e do reconhecimento dos direitos e valores culturais de todas as pessoas”, disse o pontífice, antes de convidar os fiéis a rezar em silêncio pelas vítimas e suas famílias.
Em 28 de maio, uma comunidade indígena da Colúmbia Britânica, província no oeste do Canadá, anunciou ter encontrado, por meio de radares de uso subterrâneo, uma vala comum com restos mortais de 215 crianças no terreno de uma das antigas escolas residenciais.
Essas instituições operaram no país entre 1831 e 1996, com financiamento do governo canadense e administração de várias denominações cristãs, principalmente a Igreja Católica. A escola de Kamloops, onde os corpos foram encontrados, chegou a ser a maior escola residencial do Canadá, tendo em seu auge 500 alunos. Foi administrada por líderes católicos de 1890 a 1969, quando voltou ao controle do governo federal até ser fechada em 1978.
Cerca de 150 mil crianças de diferentes comunidades indígenas foram separadas à força de suas famílias e distribuídas em centenas de escolas residenciais pelo país, onde eram impedidas de manter seus costumes, de estudar a cultura dos povos originários ou mesmo de falar em seus idiomas nativos.
Em 2015, a Comissão de Verdade e Reconciliação, grupo formado para investigar o que ocorria nessas escolas, definiu o sistema como “genocídio cultural”. Os relatos são de que as crianças eram submetidas a violência, abusos, estupros e desnutrição. A estimativa oficial é de ao menos 4.100 mortes.
Francisco, que tornou-se papa 17 anos após o fechamento das últimas escolas residenciais no Canadá, já pediu perdão pelo papel da Igreja Católica no colonialismo das Américas. Mas, em geral, preferiu pedir desculpas diretas durante visitas aos países e conversas com os povos nativos.
Na Bolívia, por exemplo, em 2015, o papa argentino se desculpou pelos “muitos pecados cometidos contra o povo nativo da América em nome de Deus”. Ao visitar o Canadá, em 2017, no entanto, o esperado reconhecimento da responsabilidade da igreja sobre o tratamento dado às crianças indígenas não aconteceu.
À época, Trudeau afirmou ter feito esse apelo ao pontífice. “Eu falei com ele sobre quão importante é para os canadenses avançar na reconciliação verdadeira com os povos indígenas e ressaltei que ele poderia ajudar ao pedir perdão”.
Na semana passada, o primeiro-ministro canadense foi mais enfático e disse estar disposto a tomar “medidas mais fortes”, possivelmente ações judiciais, caso a Igreja Católica não “assuma a responsabilidade” e torne públicos documentos e registros da administração das escolas.
“Como católico, estou profundamente decepcionado com a posição que a Igreja Católica tem assumido agora e nos últimos anos”, disse Trudeau, acrescentando que ações mais drásticas contra o Vaticano serão um último recurso. “Antes de começarmos a levar a igreja aos tribunais, tenho muitas esperanças de que os líderes religiosos vão compreender que isso é algo em que precisam se envolver.”