A Petrobras perdeu R$ 28,2 bilhões em valor de mercado nesta sexta-feira (19), após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciar que quer mudanças na estatal -o que foi interpretado pelo mercado como interferência, apesar do mandatário negar.
“Teremos mudança sim na Petrobras. Jamais vamos interferir nesta grande empresa e na sua política de preços, mas o povo não pode ser surpreendido com certos reajustes”, disse Bolsonaro nesta sexta.
As ações preferenciais (mais negociadas) da estatal fecharam em queda de 6,63%, a R$ 27,33 cada. Durante o pregão, chegaram a cair 7,17%. As ordinárias (com direito a voto) tiveram queda de 7,92%, a R$ 27,10, a maior queda da sessão.
Com a desvalorização, a capitalização da estatal foi de R$ 383 bilhões na véspera para R$ 354,79 bilhões nesta sexta.
Na quinta (18), durante sua live semanal, o presidente afirmou que vai ter consequência a fala do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, que dias atrás havia dito que a ameaça de greve de caminhoneiros não era problema da empresa, que reajustou o preço do diesel e da gasolina nesta sexta.
Bolsonaro disse que “não tem quem não ficou chateado com o reajuste” e fez críticas a Castello Branco. “Você vai em cima da Petrobras, ela fala ‘opa, não é obrigação minha’. Ou como disse o presidente da Petrobras, há questão de poucos dias, né, ‘eu não tenho nada a ver com caminhoneiro, eu aumento o preço aqui, não tenho nada a ver com caminhoneiro’. Foi o que ele falou, o presidente da Petrobras. Isso vai ter uma consequência, obviamente”, disse Bolsonaro.
As falas incomodaram o mercado.
“Mais uma vez uma fala do presidente mexe na ação [da Petrobras]. [A live] mostra o governo interferindo na empresa, e o mercado não gosta [de interferência]. Apesar do reajuste, a Petrobras segue defasada em cerca de 7% com relação ao preço internacional do petróleo”, diz Rodrigo Moliterno, chefe de renda variável e sócio da Veedha Investimentos.
“Continuamos a ver riscos para os resultados futuros da Petrobras tanto em termos de menores margens de refino como também devido a riscos de que a companhia tenha que realizar importações a prejuízo para manter o mercado local abastecido”, diz relatório da XP Investimentos.
Em reunião na quinta, Bolsonaro defendeu a saída de Castello Branco da presidência da Petrobras. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, a estratégia é pressionar o executivo a pedir demissão até a reunião do conselho da petroleira, marcada para a próxima terça (23). Para amigos, o executivo afirmou que não deixará o cargo.
Moliterno vê como negativa uma possível troca no comando da empresa. “Castello Branco está fazendo um excelente trabalho”.
Independente de quem assuma, o mercado vê a mudança como negativa.
“O problema aqui seria o processo, e não a pessoa. Em outro cenário, [Bento Albuquerque] poderia ser uma boa opção, mas o mercado hoje reagiria mal com a saída do Castello Branco por conta da interferência política que já prejudicou a Petrobras algumas vezes”, diz Joelson Sampaio, professor da FGV.
O imbróglio bateu nas ações de outras estatais. O Banco do Brasil recuou 1,89% na sessão, a maior queda dentre os grandes bancos. “Interferência política sempre atrapalha a governança das estatais”, afirma Sampaio.
Castello Branco é respeitado pelo mercado financeiro e sua gestão é bem avaliada por investidores, mas sua saída é dada como certa por analistas
Na tentativa de impedir o derretimento das ações da companhia, os ministros Paulo Guedes (Economia) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) começaram uma “operação abafa” para demover Bolsonaro da troca.
Luis Sales, analista da Guide Investimentos, diz que as recentes declarações do presidente indicam que algo pode acontecer na companhia nos próximos dias, o que gera um certo grau de incerteza entre investidores.
“Vale dizer que os aumentos divulgados pela estatal nos últimos meses têm o objetivo de contrabalancear as perdas obtidas durante 2020 por conta do isolamento social e a consequente diminuição na demanda por combustível”, afirmou Sales em relatório.
“O que tem circulado no mercado é que hoje baixou a Dilma no Bolsonaro”, diz Simone Pasianotto, economista-chefe da REAG Investimentos.
O governo de Dilma Rousseff interferiu na estatal para controlar os preços dos combustíveis e evitar inflação, causando prejuízo bilionário à companhia.
“Para os acionistas da Petrobras é primordial a independência da política de preços da empresa. Os negócios no mercado de capitais se pautam nos fundamentos financeiros e microeconômicos das empresas. Intervenções políticas são interpretadas como ruídos que sujam o valor da empresa”, completa Simone Pasianotto.
O Ibovespa recuou 0,64%, a 118.430,53 pontos, pressionado pela queda dos papéis da petroleira. O dólar fechou em queda de 1,08%, a R$ 5,3840.