A pobreza infantil atingiu níveis recordes no Brasil em 2021 em um cenário de crise social intensificada pela pandemia. É o que indica uma publicação de pesquisadores do PUCRS Data Social, laboratório de estudos lançado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
A taxa de crianças de até seis anos que viviam em domicílios abaixo da linha de pobreza chegou a 44,7% no país no ano passado, o maior patamar em uma década, segundo o levantamento. A série histórica reúne dados a partir de 2012.
A alta foi de 8,6 pontos percentuais ante 2020, quando o índice havia caído para 36,1%, o menor da série, sob impacto dos pagamentos mais robustos do auxílio emergencial.
A taxa mede o percentual de crianças de até seis anos que viviam em domicílios em situação de pobreza em relação à população total da mesma faixa etária (17,5 milhões). Ou seja, quase 45% delas estavam em lares considerados pobres.
Em termos absolutos, o número de crianças de até seis anos em situação de pobreza aumentou de 6,4 milhões para 7,8 milhões, outro recorde, segundo a pesquisa. A alta foi de 22,6% na passagem de 2020 para 2021.
Em outras palavras, mais 1,4 milhão de crianças passaram a ser consideradas pobres. Esse contingente é similar à população inteira de uma cidade como Porto Alegre (1,5 milhão).
A dinâmica do auxílio emergencial no ano passado explica grande parte do quadro, dizem os pesquisadores. O pagamento do benefício chegou a ser paralisado no início de 2021. Depois, foi retomado, mas com a cobertura de famílias e os valores reduzidos.
Outro fator associado ao avanço da pobreza é a perda da renda do trabalho dos responsáveis pelos domicílios devido à inflação elevada.
“Os efeitos da pobreza na primeira infância são acumulativos. Se a criança não desenvolver suas capacidades nessa fase, o futuro vai ser mais difícil para ela”, avalia o pesquisador André Salata, um dos responsáveis pelo estudo do PUCRS Data Social.
Para estimar os resultados, os especialistas usaram microdados da Pnad Contínua com recorte anual.
Essa versão da Pnad, divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), vai além do mercado de trabalho e também contempla outras fontes de renda, incluindo programas sociais.
“Os resultados preocupam muito. Existem estudos que mostram que o ser humano tem determinadas idades para o desenvolvimento cognitivo e físico”, afirma a pesquisadora Izete Pengo Bagolin, também responsável pelo levantamento.
“A criança que passa fome e está em situação mais precária, exposta a condições não ideais, vai ter produtividade menor no futuro. A pobreza tem um custo para a realização profissional e pessoal”, diz.
POBREZA EXTREMA
De acordo com os pesquisadores, a extrema pobreza também bateu recorde entre crianças de até seis anos em 2021. A taxa aumentou de 8% para 12,7% no país.
O número de crianças dessa faixa etária em situação de extrema pobreza subiu de 1,4 milhão para 2,2 milhões. A alta foi de 58%, ou 819,7 mil a mais, o equivalente a quase toda a população de uma capital como João Pessoa (825,8 mil).
Para definir as linhas de pobreza e extrema pobreza, o estudo utilizou critérios de PPC (Paridade do Poder de Compra) adotados pelo Banco Mundial.
Em valores de 2021, convertidos em reais, a linha de pobreza foi de cerca de R$ 465 per capita (por pessoa) por mês. A medida de extrema pobreza ficou em torno de R$ 160 per capita por mês.
Crianças que viviam em domicílios com renda por pessoa abaixo desses patamares estavam em situação de pobreza ou extrema pobreza, conforme o estudo.
“Em 2020, em função dos auxílios, a pobreza e a extrema pobreza tiveram queda. Mas, em 2021, voltaram rapidamente e atingiram patamares piores do que os anteriores”, diz o pesquisador Ely José de Mattos, também responsável pelo levantamento.
Ele pondera que os dados ainda não levam em conta os prováveis impactos da ampliação do Auxílio Brasil. O reforço no valor do programa social foi confirmado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) às vésperas das eleições deste ano.
Na visão de Mattos, é “pouco provável” que o próximo governo, seja ele liderado por Bolsonaro ou outro candidato, corte o valor do Auxílio Brasil, que passou a ter mínimo de R$ 600. Porém, segundo o economista, há espaço para revisões e ajustes no programa.
Umas das críticas que vêm sendo feitas ao desenho do auxílio é sobre a falta de focalização -critério que considera os diferentes perfis e necessidades das famílias atendidas.
“Precisamos de um programa robusto e que tenha sustentabilidade”, avalia Salata.
O estudo também aponta diferenças dentro do grupo das crianças de até seis anos. Na parcela negra, a taxa de pobreza chegou a 54,3% em 2021, enquanto o índice de pobreza extrema atingiu 16,3%.
Os percentuais foram menores para as crianças brancas. Nesse recorte, a taxa de pobreza chegou a 32,4%, e a de extrema pobreza, a 8,2%.
O estudo ainda traz dados sobre a população em geral no país. Nessa base de comparação, a taxa de pobreza subiu de 23,1% para 28,3% de 2020 para 2021.
Também é o maior nível da série, sinaliza a pesquisa. O índice de pobreza extrema avançou de 5,3% para 8,2% na população em geral, outro recorde na década.