Em 2019, 7,1% das queixas que chegaram ao Conar (Conselho Nacional de Auto Regulamentação Publicitária) foram sobre identificação inexistente ou deficiente de que se tratava de propaganda -de influenciadores, celebridades em mídia social. No dado consolidado de 2020, saltou para 31%. Mês a mês, neste ano, eles já são maioria.
São casos como o das atrizes Bruna Marquezine e Isabela Fiorentino Hawilla, que tiveram postagens em Instagram, sobre um produto chamado Brizza, da Arezzo, denunciadas por falta de identificação publicitária. O julgamento foi no último dia 25 e condenou por unanimidade as atrizes e a anunciante a realizar mudanças nos anúncios, explicitando a informação de que se trata de uma campanha de marca -embora elas já tivessem reconhecido e feito a alteração.
Aconteceu o mesmo com New White e a modelo de fisiculturismo Gracyanne Barbosa e com Happy Hair e a cantora Lais Bianchesi.
Já a atriz Marina Ruy Barbosa teve um processo arquivado em 2019, quando enfrentou uma denúncia de falta de identificação publicitária numa postagem na qual elogiava a Cálamo. “Os anunciantes informaram que a postagem não é publicidade e sim opinião da atriz, ainda que não neguem haver relação comercial estabelecida entre as partes”, registrou o Conar, que aceitou os argumentos e arquivou.
Mais recentemente, a atriz, que é ruiva, passou a enfrentar críticas ao aparecer em mídia social com os cabelos loiros, no que se revelou depois ser uma campanha da Renault. Parte da reação veio do jornalismo de entretenimento, que se vê sitiado por campanhas do gênero.
“Estratégias de comunicação baseadas em notícias falsas para gerar buzz, clique ou marketing não podem ter o aval do jornalismo, especialmente neste momento de combate às fake news de qualquer espécie”, diz Daniela Ambrosio de Tófoli, diretora de grupo na Editora Globo.
“Se a prática já seria duvidosa em outra ocasião, agora é inaceitável. E agências, assessorias e artistas que confirmam a informação aos repórteres que os procuram e desmentem dias depois acabam perdendo sua credibilidade com essas ações.”
Eugênio Bucci, professor-titular da Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP), discorda que se trate de fake news ou sequer que celebridades tenham credibilidade. “Elas têm algum compromisso com verdade factual?”, questiona. “Essas vidas são performáticas. São personagens.”
“Encenação de celebridade não deveria ser tratada como fato, porque não é”, diz, acrescentando que o problema é “quando meios jornalísticos embarcam nisso, porque a checagem não foi eficiente ou porque não teve o nível de dúvida que deveria”.
Procurada, a assessora de Marina Ruy Barbosa, Muniky Sena, afirmou que a atriz inicialmente postou apenas uma foto de bastidor, sem alusão à marca ou ao produto. “E, na legenda, não houve mentira ou desinformação: Marina disse estar loira. E estava”.
“É muito comum atores postarem fotos com visuais bem diferentes, sem necessariamente fazer referência ao trabalho que estão realizando”, argumentou.
Disse ainda que a foto de bastidor não trouxe dolo a ninguém, tampouco prejuízos. “A informação de que se tratava de campanha foi divulgada pela marca, durante um evento. E foi confirmada pela assessoria pessoal”.
A ausência de referência ao fato de ser campanha, naquela primeira postagem no Instagram, não é uma ação vedada pela plataforma. Como não participa do acordo entre o anunciante e a celebridade, o Instagram trata casos assim como conteúdo orgânico da rede.
Mas a plataforma, como outras, recomenda transparência e tem uma ferramenta para isso, uma “tag”, etiqueta, acima do post com a inscrição “Parceria paga com”, mais a marca. De resto, sugere ao usuário respeitar as normas de cada mercado.
O Conar definiu as suas normas para casos assim há seis meses, lançando o Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais. Ele é resultado, em parte, do salto nas queixas de consumidores nos últimos dois anos -embora o primeiro tenha aparecido já em 2012.
“O influenciador também tem obrigação a cumprir”, diz a diretora Juliana Nakata Albuquerque, sobre o Guia. “E a primeira coisa é ‘fala que é propaganda’. É a base.”
Também são motivo de atenção, segundo ela, as “brincadeiras ou distorções que levem a erro sobre a decisão de compra, quanto ao que o produto efetivamente entrega, ou sobre valores, como uma questão social, de apresentação não respeitosa”.
O propósito não é só punitivo. “A gente busca conscientizar o influenciador do papel dele”, diz.
“Conscientização é um dos principais esforços que se tem no digital, até porque, pelo volume, não se consegue atuar só depois, corrigindo. E a gente tem sentido receptividade dos anunciantes e influenciadores.”