Responsável por diversas decisões de prisão e busca e apreensão contra aliados e apoiadores de Jair Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), se tornou o alvo principal de bolsonaristas e do próprio presidente da República.
Em discurso na avenida Paulista, no feriado de 7 de Setembro, Bolsonaro disse que não cumpriria decisões do ministro e ainda insuflou os manifestantes dizendo: “Nós devemos sim, porque eu falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos sejam postos em liberdade”.
Apesar de as críticas de bolsonaristas serem direcionadas a Moraes ou ao Supremo, fato é que muitas das medidas determinadas pelo ministro não foram iniciativa dele, mas sim autorizadas por ele, a partir de pedidos da Procuradoria-Geral da República (PGR) -comandada por Augusto Aras, indicado por Bolsonaro- ou da Polícia Federal.
Entre as exceções está o mandado de prisão, em fevereiro, contra o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), que foi decretada de ofício por Moraes. Já a prisão do presidente do PTB, Roberto Jefferson, apesar de não ter tido manifestação da PGR, foi solicitada pela PF.
O fato de haver pedido da PGR ou representação da PF, contudo, não justifica por si só uma prisão. Isso porque, conforme apontam especialistas, independentemente do pedido desses órgãos, um juiz deve fundamentar a necessidade da medida. Diferentes aspectos de decisões de Moraes já foram alvo de críticas pela classe jurídica.
Desde a sua instauração, em 2019, o inquérito das fake news é alvo de críticas, em especial pelo fato de o ministro Dias Toffoli, então presidente da corte, ter aberto ele sem provocação de outro órgão e ter indicado Moraes para a relatoria sem que houvesse sorteio.
Outra crítica frequente por parte dos advogados dos investigados é a de que não conseguem ter acesso à íntegra dos autos, dificultando a atuação da defesa.
De lá para cá, contudo, frente à intensificação dos ataques aos ministros e ao STF, o inquérito ganhou apoio da classe jurídica e dentro do próprio tribunal. Em junho de 2020, o STF declarou sua constitucionalidade, ao analisar ação que questionava o inquérito.
Na ocasião, tanto o procurador-geral da República, Augusto Aras, quanto o então advogado-geral da União, José Levi, defenderam a validade do inquérito.
Bolsonaro, entretanto, se utiliza de tais investigações para inflamar sua base de apoio com discursos golpistas a autoritários. No ato do último dia 7, em referência a Moraes, Bolsonaro disse: “Ou o chefe desse Poder [Luiz Fux] enquadra o seu [ministro] ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”.
O presidente chegou a apresentar um pedido de impeachment contra o ministro, que foi rejeitado pelo presidente do Senado por falta de embasamento jurídico.
Apesar de decisões recentes de Moraes relacionadas ao 7 de setembro terem feito com que as críticas de bolsonaristas aumentassem, a maioria delas ocorreu após solicitação ou com aval da Procuradoria, assim como a própria abertura do inquérito que investiga a organização e financiamento destes atos.
Tanto os mandados de busca e apreensão contra o cantor Sérgio Reis e o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ), determinados em 20 de agosto, quanto diferentes pedidos de prisão preventiva, como do influenciador Wellington Macedo, preso no último dia 3, e do caminhoneiro Marcos Gomes, o Zé Trovão, foram autorizados por Moraes após solicitação da PGR.
Na véspera dos atos, ocorreram outras duas prisões preventivas: de Márcio Giovani Niquelatti e do ex-policial militar Cássio Rodrigues Costa Souza, ambos por ameaças contra o ministro divulgadas em redes sociais. Diversos dos pedidos foram assinados pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, braço direito de Aras.
Em vídeo na última semana, estando foragido, Zé Trovão citou outros bolsonaristas que passam por problemas com a Justiça após atuação em defesa de Bolsonaro.
“Veja bem tudo o que está acontecendo não só na minha vida como da de tantos como Wellington Macedo, Oswaldo Eustaquio, Sara Winter, Daniel da Silveira que está preso. Precisamos resolver tudo isso, porque o Brasil não pode continuar desse jeito”, afirma.
Tanto o blogueiro Oswaldo Eustáquio quanto a ativista Sara Winter tiveram prisão preventiva autorizada por Moraes no ano passado, após solicitação da PGR. As prisões foram substituídas por outras medidas cautelares. Eustáquio chegou a ser preso mais de uma vez.
Apesar de ambos serem investigados no inquérito das fake news, as prisões partiram do inquérito dos atos antidemocráticos -inquérito 4828- que foi aberto por Moraes em abril de 2020 após um pedido feito por Aras.
Winter era uma das líderes do chamado movimento “Os 300 do Brasil”, grupo armado de extrema direita que acampava em Brasília.
Já no caso do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), o pedido de prisão não tinha partido nem da PGR, tampouco de solicitação da PF. A prisão em flagrante foi determinada de ofício por Moraes. Entre as prisões criticadas por bolsonaristas, a de Silveira foi a única que ocorreu no âmbito do inquérito das fake news.
A decisão liminar de Moraes foi referendada por unanimidade pelo plenário do STF. Também a Câmara dos Deputados, que tem poder para revogar prisão de deputados, manteve Silveira detido.
Dias depois da prisão, a PGR apresentou uma denúncia contra Silveira por crimes previstos na Lei de Segurança Nacional e no Código Penal, no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos. Em abril, o STF aceitou a denúncia tornando o deputado réu.
Na ocasião da prisão, houve críticas de juristas especialmente em relação ao argumento utilizado por Moraes para justificar que haveria flagrante -de que o vídeo, no qual os crimes teriam sido cometidos, permanecia online.
Também no caso do presidente do PTB, Roberto Jefferson, Moraes assinou o mandado de prisão sem a manifestação da PGR. Neste caso, porém, porque a Procuradoria não cumpriu o prazo dado de 24 horas para o posicionamento. Ainda assim, a decretação da prisão não foi de ofício, pois partiu de pedido da PF, da delegada Denisse Ribeiro, que é responsável pelas investigações do inquérito das fake news e dos atos antidemocráticos.
A PGR chegou a apresentar denúncia contra Jefferson por incitação ao crime e crime de racismo, após a detenção, mas já defendeu, em mais de uma oportunidade, que a prisão preventiva fosse convertida em domiciliar. Moraes, no entanto, negou pedido da defesa do presidente do PTB e manteve a prisão preventiva no último dia (31).
A medida contra Jefferson ocorreu no âmbito do inquérito aberto, em julho deste ano, após Moraes driblar a PGR. Atendendo ao pedido de Aras, o ministro arquivou o inquérito dos atos antidemocráticos, mas, na sequência, determinou a instauração de novo inquérito para investigar uma suposta quadrilha digital e determinou o compartilhamento das provas coletadas.
Durante sabatina no Senado, ao ser questionado sobre a prisão de aliados de Bolsonaro como Silveira e Jefferson, Aras afirmou que havia “ameaças reais” a ministros do Supremo.
“O grande problema, no caso concreto, é que nos manifestamos contra prisões inicialmente, porque a liberdade de expressão, segundo doutrina constitucional e jurisprudência do próprio Supremo, é controlada a posteriori, ou seja, primeiro o indivíduo”, disse. “No momento posterior da prisão, tanto do Daniel Silveira, quanto do Roberto Jefferson, houve ameaças reais aos ministros do Supremo.”
A advogada e professora de direito penal da USP Helena Regina Lobo da Costa explica que as regras para decretação de prisão preventiva foram alteradas com o pacote anticrime em 2019, no sentido de que o juiz não mais pode decretar uma prisão sem que haja pedido do Ministério Público ou representação de autoridade policial.
Apesar de defender que o correto seria não haver a decretação de ofício, Costa afirma que, no momento, ainda não existe uma consolidação da jurisprudência sobre qual lógica estaria valendo. “Não dá para dizer que existe um certo e um errado nesta matéria, sobretudo, enquanto esta figura do juiz de garantias estiver suspensa.”
Já, no caso da prisão em flagrante, ela explica que as regras são distintas, de modo que qualquer autoridade pública tem a obrigação de proceder diante de uma situação de flagrante, a não ser por razão de segurança.
Além disso, o advogado e professor de direito processual penal da USP Gustavo Badaró ressalta que ter um pedido do Ministério Público para uma prisão preventiva não torna uma decisão certa ou errada.
Ele explica que é fundamental haver uma fundamentação do juiz do porquê a medida é necessária. “O fato de ter o pedido da PGR não quer dizer que, pronto, por si só a prisão é legal”, diz. “O pedido do PGR é só um pressuposto, é necessário, mas não é suficiente.”
ENTENDA INVESTIGAÇÕES SOB RELATORIA DE MORAES
Fake news
A investigação iniciada em 2019 busca identificar autores de notícias falsas disseminadas nas redes sociais contra ministros do Supremo e já resultou em busca e apreensão contra apoiadores de Bolsonaro. A pedido do TSE, o ministro Alexandre de Moraes incluiu o presidente entre os alvos. É provável que a apuração prossiga 2022 adentro
Quadrilha digital
Fruto do inquérito dos atos antidemocráticos, que foi arquivado a pedido da PGR, a apuração busca identificar grupo por trás de ataques à democracia na internet. Apoiadores do presidente são alvos. Ao determinar a apuração, Alexandre de Moraes fez menção ao próprio Bolsonaro e a seus filhos. A polícia abriu o inquérito em julho
Inquéritos atos antidemocráticos de 7 de setembro
Aberto por solicitação da PGR, inquérito investiga organização e financiamento dos atos de 7 de setembro. Neste inquérito foram determinadas, entre outras, medidas de busca e apreensão contra o cantor Sérgio Reis e o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ), bem como diferentes prisões preventivas e bloqueio de chaves PIX e contas bancárias de entidades do agronegócio
Vazamento de inquérito sigiloso
A pedido do TSE, Alexandre de Moraes mandou apurar o vazamento de informações sigilosas de inquérito instaurado em 2018 pela PF sobre uma invasão hacker a sistemas eletrônicos da Justiça Eleitoral. As informações desse inquérito foram divulgadas por Bolsonaro em live com o propósito de sustentar a acusação que faz ao sistema eleitoral
Inquérito dos atos antidemocráticos (arquivado)
O inquérito dos atos antidemocráticos foi aberto em abril de 2020 para investigar aliados do presidente Jair Bolsonaro envolvidos com as manifestações que defendiam o fechamento do STF (Supremo Tribunal Federal) e do Congresso Nacional, além da volta da ditadura militar. A PF defendeu o aprofundamento das investigações em dezembro. A Procuradoria, por sua vez, levou cinco meses para se pronunciar e seguiu linha contrária à da polícia. O órgão pediu ao Supremo o arquivamento do caso perante o tribunal.