Criticada pela condução do início da crise da Covid-19, que já infectou mais de 63 milhões de pessoas no mundo, a China escondeu informações sobre o avanço da doença e acumulou erros de gestão, segundo documentos confidenciais do Centro Provincial de Controle e Prevenção de Doenças de Hubei, obtidos pela rede americana CNN.
O vírus foi identificado ainda no fim de 2019 em Wuhan, na província de Hubei – e a Organização Mundial da Saúde foi notificada em 31 de dezembro sobre vários casos de pneumonia. Os documentos, que cobrem um período incompleto entre outubro de 2019 e abril deste ano, foram revelados por uma pessoa que trabalhou no sistema de saúde chinês e que pediu que seu nome não fosse revelado.
Ainda não está claro por que artigos específicos foram selecionados ou como a fonte obteve os papéis. As informações foram verificadas por seis especialistas que examinaram a veracidade de seu conteúdo.
O material mostra a discrepância nos números oficiais: no dia 10 de fevereiro, por exemplo, as autoridades chinesas relataram 2.478 novos casos confirmados –elevando o número global total para mais de 40 mil, com menos de 400 casos ocorrendo fora da China continental. De acordo com a CNN, entretanto, o relatório lista um total de 5.918 novos casos detectados.
Os documentos revelam problemas que ultrapassam a questão falta de transparência. As falhas no controle da pandemia passam pelo excesso de burocracia do sistema de saúde, falta de equipamentos e lentidão no monitoramento dos casos.
Um levantamento realizado no início de março diz que o tempo médio entre os primeiros sintomas e o diagnóstico confirmado era de 23,3 dias.
A CNN afirma que entrou em contato com o Ministério das Relações Exteriores da China e a Comissão Nacional de Saúde, bem como a Comissão de Saúde de Hubei, que supervisiona o CDC provincial, para comentar as descobertas dos documentos, mas não obteve resposta.
Esta terça-feira (1º) marca um ano desde que o primeiro paciente conhecido apresentou sintomas da doença em Wuhan, segundo estudo publicado no jornal médico Lancet. Naquele momento, a China lidava com um significativo surto de gripe, que registrou um número de infectados 20 vezes maior quando comparado com o ano anterior. O então desconhecido coronavírus encontrou um sistema de saúde já sobrecarregado pela influenza.
O surto de gripe não era só em Wuhan e alcançou cidades vizinhas. Os documentos não esclarecem qual terá sido o impacto ou a conexão do pico de influenza no surto de Covid-19, mas mostram que esse aumento de casos de gripe nunca chegou a ser divulgado pelas autoridades. Desde o início da crise sanitária, a China tem sido criticada pela condução dos primeiros momentos da pandemia.
Um estudo de pesquisadores da Imperial College de Londres e publicado ainda em janeiro estima que, àquela altura, Wuhan tivesse cerca de 1.723 casos, contra os 198 informados pelo governo. Os casos estimados pelos cientistas são apenas aqueles em que há manifestação de sintomas graves e que requerem hospitalização. A estimativa levou em consideração dados obtidos até o dia 12 de janeiro.
O New York Times também já tinha mostrado que as autoridades chinesas haviam colocado o segredo e a ordem acima do combate aberto à crise.
Uma reconstrução das primeiras sete e cruciais semanas entre o surgimento dos primeiros sintomas, no começo de dezembro, e a decisão do governo de bloquear o acesso a Wuhan, baseada em duas entrevistas com moradores da cidade, médicos e autoridades, declarações do governo e reportagens na mídia chinesa, revela decisões que retardaram uma ofensiva coordenada de saúde pública contra o surto.
Nas semanas em questão, as autoridades silenciaram médicos e outras pessoas que tentavam alertar sobre a doença. Minimizaram os riscos para o público, impedindo que os 11 milhões de moradores da cidade soubessem que precisavam se proteger. O mercado de comida no qual o vírus supostamente tinha surgido foi fechado, mas as autoridades não proibiram a venda de animais em outros locais.
Sua relutância em adotar medidas públicas se devia em parte a motivos políticos, já que as autoridades locais e nacionais estavam se preparando para seus congressos anuais em janeiro. Enquanto o número de casos subia, as autoridades ainda assim declaravam repetidamente que era provável que não tivessem surgido novas infecções.
Ao não agir agressivamente para alertar o público e os médicos, dizem especialistas em saúde pública, o governo chinês perdeu uma de suas melhores oportunidades de impedir que a doença se tornasse epidemia.
Folhapress