A falta de ventiladores levou o principal hospital de referência de Porto Alegre a criar um grupo com profissionais de várias áreas para decidir quais pacientes com Covid-19 serão ou não intubados com os equipamentos adequados. O Hospital de Clínicas da capital gaúcha (HCPA) já tem mais internados graves do que aparelhos disponíveis.
“Se tem dois pacientes precisando, como defino? Isso aconteceu no resto do mundo, mas jamais imaginamos que ia acontecer aqui, nosso estado tem uma estrutura muito boa”, diz a diretora da unidade, Nadine Clausell. Segundo ela, o grupo foi criado na sexta (5) porque a situação evoluiu muito rápido.
As reuniões acontecem em tempo real, para que os profissionais possam se apoiar em decisões que envolvem intubações, retirada de intubações e comunicação com os familiares dos doentes. “É uma coisa muito pesada para o médico na emergência escolher sozinho, conversar com as famílias”, afirma.
O hospital havia dedicado 105 leitos de terapia intensiva para o atendimento ao coronavírus, mas na prática vem atendendo mais pacientes nessas condições nos últimos dias, adaptando vagas na própria UTI e na emergência. Na sexta, eram 132 internados graves, o que representa uma ocupação de 126%.
Profissionais como anestesistas e cardiologistas também foram realocados para suprir a demanda. A unidade tem emergência de porta aberta, portanto continua recebendo pessoas com sintomas respiratórios diariamente. “Os pacientes não param de chegar, a emergência está inchando muito”, alerta Clausell.
Neste sábado (6), o infectologista Alexandre Zavascki chamou a atenção com um apelo nas redes sociais. “Colapso total da saúde no RS! HCPA sem ventiladores. Como outros hospitais, improvisando ventilação com carrinhos de anestesia. Anestesistas e cirurgiões dando apoio nas UTIs improvisadas”, escreveu.
Segundo o Hospital de Clínicas, como o estado dos internados nas UTIs tem sido extremamente grave, a taxa de ventilação mecânica invasiva tem chegado a 80% em determinados momentos -no Rio Grande do Sul inteiro esse índice também estava em 76% neste domingo (7).
A questão é que esses pacientes precisam de ventiladores de alta performance por um longo período para que sejam tratados de forma adequada. Aparelhos mais antigos ou mais simples, que são usados para tratar pacientes sem patologia pulmonar, não são suficientes.
Na unidade existe um total de 167 ventiladores: 22 são usados para ventilação por curtos períodos de tempo e 145, para ventilação mecânica continuada. Dentre esses últimos, 105 são considerados de alta performance. Na sexta, porém, um número superior de pessoas que contraíram a Covid estavam em ventilação mecânica: 109.
Diante do colapso, o HCPA tem deslocado equipamentos de outras áreas (como das UTIs pediátricas), pegado unidades emprestadas de hospitais menores e tentado habilitar aparelhos antigos. Também diz ter solicitado o auxílio de gestores municipais e estaduais para comprar mais produtos com as características técnicas apropriadas.
“Em resposta aos picos anteriores de demanda por atendimento à Covid-19, o hospital deslocou ventiladores de alta performance para a área Covid e manteve os demais aparelhos nas outras áreas críticas. Porém, nesse momento, a demanda ultrapassa a capacidade de resposta hospitalar mesmo com realocações e compras emergenciais de equipamentos”, diz nota do hospital.
A diretora Clausell diz que a falta de ventiladores começou a acontecer em Porto Alegre em geral na sexta, mas que o impacto de isso ocorrer no HCPA é grande por ser o maior hospital contra a Covid na cidade, recebendo pacientes críticos também da região metropolitana e do interior do estado.
Questionada, ela pondera que não está faltando oxigênio. “Temos uma produção de oxigênio boa na região. Estamos sempre conversando com o fornecedor, que faz de duas a três recargas por dia”, afirma.
O sistema de saúde do Rio Grande do Sul está em colapso desde o início da semana, com uma taxa de ocupação de UTIs públicas e privadas que chegou a 103% neste sábado -3.084 pacientes em 3.005 vagas. As curvas de mortes e de lotação de leitos já atingem níveis sem precedentes, bastante superiores aos do ano passado.