O decreto que coloca a atenção primária, porta de entrada do SUS, na mira do programa de concessões e privatizações foi criticado nesta quarta-feira (28) por congressistas, que protocolaram projetos para sustar os efeitos do texto e pediram explicações ao governo.
No Senado, o decreto que inclui unidades básicas de saúde no escopo de interesse do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) gerou requerimentos de informações, encaminhados pelo líder do PSDB na Casa, Izalci Lucas (DF).
Aliado do governo, o tucano quer saber quais são os argumentos do governo para a publicação do decreto, que prevê que sejam feitos estudos “de parcerias com a iniciativa privada para a construção, a modernização e a operação de unidades básicas de saúde”. Não há estimativa de quantas das 44 mil unidades podem ser incluídas nessas parcerias.
“Para mim é uma surpresa. Não dá para brincar com isso. Tirar da saúde só pode ser um equívoco”, disse o senador.
Para o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), a ideia do governo federal vai causar prejuízos para a população que precisa do atendimento público de saúde. “Privatizar vai piorar ainda mais a fila e piorar ainda mais o atendimento a quem precisa. Isso é um crime contra a cidadania e a quem precisa de atendimento de saúde.”
Líder da Rede no Senado, Randolfe Rodrigues (AP), considerou um absurdo a ideia do governo. O parlamentar afirmou que tentará suspender o decreto. “Isso é um absurdo, especialmente agora, quando o SUS é a principal ferramenta de combate à pandemia, principalmente [para] as pessoas mais necessitadas”, disse.
Em nota divulgada nesta quarta (28), o governo argumenta que o objetivo primordial do decreto da véspera “é tão somente permitir que sejam realizados ou contratados estudos multidisciplinares (econômico-financeiros, gerenciais, políticos, jurídicos e sociais) para alimentar o governo de dados e informações sobre a atual situação das UBS, eventuais opções existentes para a melhoria das UBS, possibilidade de parcerias com a iniciativa privada e, por fim, a viabilidade (ou inviabilidade) de aplicação concreta daquelas alternativas”.
Aliado do governo, o líder do PL no Senado, Jorge Mello (SC), diz acreditar que a proposta ainda precise ser analisada, embora defenda participação da iniciativa privada.
“O governo não tem dinheiro e se puder fazer algo respeitável que a população ganhe, pode fazer. Se a iniciativa privada puder ajudar, melhor. Atender onde o governo não tem perna para atender, eu defendo, mas é claro que precisamos analisar”.
Na análise do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), a proposta do governo não receberá aval do Congresso.
“Nenhuma proposta que venha a enfraquecer o SUS vai prosperar no Congresso Nacional. Foi o SUS, com todas as dificuldades, quem segurou o momento mais duro da pandemia. Precisamos é cuidar do reforço no financiamento. E já passou da hora de encerrar o concurso de propostas inúteis”, escreveu ele, em uma rede social.
Telmário Mota (Pros-RR), outro senador aliado do governo, defendeu que haja privatização de todos os setores da saúde, mas sublinha que precisa haver uma discussão maior em torno do tema.
“Se eu fosse governador, eu privatizava a saúde. Não é que pobre vai ter de pagar, é privatizar a gestão. O dinheiro que se gasta na saúde é absurdo. Mas é claro que esse é um projeto polêmico que toca numa ferida aberta, que precisa discussão”.
Na Câmara, a reação foi igualmente inflamada, em especial entre partidos de oposição. Vários deputados protocolaram projetos para sustar os efeitos do decreto presidencial.
Para o deputado José Guimarães (PT-CE), líder da Minoria na Câmara, o texto do governo é um retrocesso e desrespeita a autonomia dos municípios que cuidam das UBS. “De fato, esse governo não conhece a Constituição Federal, muito menos a legislação que regulamenta o SUS.”
Os deputados Jandira Feghali (RJ), Alice Portugal (BA) e Márcio Jerry (MA), do PCdoB, também protocolaram um projeto de decreto legislativo contra a tentativa do governo de realizar as concessões das UBS.
Na avaliação de Jandira Feghali, o decreto entrega “ao mercado, ao setor privado, as clínicas da família, a porta de entrada do Sistema Único de Saúde e os postos onde se aplicam as vacinas na população brasileira.”
A bancada do PSOL na Câmara também protocolou projeto de decreto para sustar o ato do governo.
A líder do partido na Câmara, Sâmia Bomfim, criticou a medida. “Nesse contexto de pandemia, em que os brasileiros sentiram na pele a necessidade fortalecimento das politicas públicas de atenção à saúde, é inadmissível que o governo federal aponte justo para o caminho inverso”, afirmou. “A atenção primária é a base do SUS e não pode ser centralizada pela lógica do lucro.”
Parlamentares do PT, entre eles o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha (SP), também reagiram e apresentaram projeto para barrar o decreto.
“Na semana passada, [o ministro da Saúde, Eduardo] Pazuello já foi rifado do debate da vacina, agora Bolsonaro e Guedes o vendem, porque já que tomaram essa iniciativa sem envolver o ministro que caiu de paraquedas no Ministério da Saúde e, ainda, sem envolver os municípios”, afirmou o ex-ministro.
“Mais um desrespeito absurdo do governo Bolsonaro, que estuda parcerias público-privadas nas unidades de saúde sem envolver os municípios, que são os responsáveis pelas unidades básicas e pelos profissionais que estão lá”, complementou. “Uma misturar de intervencionismo com ignorância em relação a como funciona o SUS.”
Iara Lemos, Natália Cancian e Danielle Brant/Folhapress