Conhecida por preservar fósseis de diversas plantas e animais, incluindo dinossauros e pterossauros, a Chapada do Araripe, no sul do Ceará, recebeu nesta quinta-feira (22) uma operação da Polícia Federal contra o tráfico desses materiais.
Foram realizados 17 mandados de busca e apreensão nas cidades de Santana do Cariri e Nova Olinda, no Ceará, e dois no Rio de Janeiro. A investigação, que resultou na operação Santana Raptor –batizada em homenagem a um dinossauro carnívoro que foi encontrado na região – teve início pelo Ministério Público Federal em 2017. Até o começo da tarde desta quinta, três homens tinham sido presos flagrados com fósseis.
Segundo a Polícia Federal, o esquema investigado consiste na extração ilegal de fósseis por trabalhadores em pedreiras. A investigação do Ministério Público aponta para a comercialização, com compradores suspeitos na Europa, do material retirado, que pertence à União.
Há atuação, ainda segundo a Polícia Federal, de uma rede de empresários, servidores públicos e atravessadores que negociam esses fósseis com participação de um professor e pesquisador da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), um dos alvos da operação, e outros pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Não foram divulgados nomes dos suspeitos.
“É um professor de estudo científico dos fósseis. Os atravessadores tinham contato com ele e o professor financiava mensalmente os investigados. O procedimento correto [quando se acha um fóssil] é contatar a Agência Nacional de Mineração. Em vez de fazer isso, o trabalhador das minas era cooptado por esse professor para destinar o fóssil a ele, pagando”, explicou o delegado Alan Robson Alexandrino, em entrevista coletiva nesta quinta. Além do pagamento mensal, segundo a apuração da polícia, é possível que houvesse também premiação por cada fóssil encontrado.
Os investigados na operação poderão responder pelos crimes de organização criminosa, usurpação de bem da União e crimes ambientais, com penas de até 16 anos de prisão.
No Brasil, uma legislação de 1942 estabelece os fósseis como bens da União, proibindo, assim, sua retirada sem autorização dos órgãos legais, bem como a sua comercialização. A regulamentação da extração de fósseis para estudo científico fica por conta do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) de cada região, bem como da Agência Nacional de Mineração, que emitem uma autorização permitindo a retirada dos fósseis.
Embora criada para proteger os bens patrimoniais brasileiros, essa legislação pouco mudou nos últimos 80 anos. Em 2016, uma portaria do DNPM estabelece procedimentos para extração de fósseis no país e diferencia a coleta por instituições públicas e privadas voltadas ao ensino e à pesquisa no chamado “salvamento paeleontológico” –quando manter os fósseis no local pode representar risco para sua integridade e patrimônio histórico.
O texto contou com uma intensa participação pública, inclusive de especialistas e de diversos setores da paleontologia (estudo dos fósseis) brasileira.
A região do Araripe é considerada por paleontólogos uma das mais importantes do país e possui pontos onde pesquisadores procuram fósseis, alguns estimados em até 150 milhões de anos. Há também pedreiras onde acabam sendo encontrados vestígios, por exemplo, de pterossauros, répteis voadores contemporâneos dos dinossauros do período mesozoico (de 250 milhões a 65 milhões de anos atrás).
Em novembro de 2019, uma molécula biológica responsável pela pigmentação de seres vivos foi achada preservada em um fóssil de pterossauro de cerca de 110 milhões de anos na região. O fóssil, de uma espécie de tamanho médio, com cerca de três metros de envergadura e com uma alta crista na cabeça, da qual foi extraída a molécula, foi encontrado por um trabalhador de pedreira, que avisou as autoridades.
Em nota, a UFRJ disse que a Polícia Federal fez incursão no Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN) para procedimento de mandado acerca da suspeita de um professor envolvido com contrabando de fósseis.
A entidade informou que repassou toda a documentação solicitada aos agentes e que estranhou o fato de não ter sido procurada antes para esclarecimentos.”Todos os fósseis sob a guarda da UFRJ estão legalmente cadastrados e catalogados na instituição e notificados aos órgãos responsáveis. Além disso, todos os docentes e a própria unidade (Instituto de Geociências) têm documento de autorização para coleta e pesquisa de fósseis na Bacia do Araripe (CE)”.
Não é a primeira vez que a entidade é alvo de uma operação para tráfico de fósseis. Em 2012, o paleontológo Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional da UFRJ, foi acusado por tráfico internacional de fósseis após ser flagrado no aeroporto regional do Cariri, em Juazeiro do Norte (Ceará). À época, a operação foi deflagrada após uma denúncia anônima, e o DNPM manteve o caso sob investigação alegando documentação irregular. A acusação se mostrou infundada e foi arquivada.
O paleontológo realizava uma expedição na região com um colega francês e tinha licença para coleta do material e, após o caso, pediu indenização ao governo federal no valor de R$1 milhão por danos morais.
Em 2015, a Justiça Federal condenou o DNPM a pagar uma indenização por danos morais de R$ 150 mil a Alexander Kellner.
Marcel Rizzo e Ana Bottallo/Folhapress