Indicadores especiais de atividade, criados durante a pandemia para monitorar a retomada, mostram que o período de forte recuperação da economia brasileira, iniciado já em meados de abril, se encerrou em outubro –mês em que ocorreu a redução de estímulos governamentais.
Dados para novembro confirmam que a atividade se estabilizou em um nível ainda abaixo do patamar pré-crise, e a expectativa dos analistas responsáveis por esses índices é de uma recuperação mais lenta na sequência.
Essa acomodação da atividade tem sido vista, principalmente, em segmentos da indústria e do varejo que já retornaram ou, em alguns casos, que até ultrapassaram os níveis pré-crise.
A análise de quem acompanha os índices é que a desaceleração reflete fatores como aumentos de preços e a redução, de R$ 600 para R$ 300, no valor do auxílio emergencial para trabalhadores informais no fim de setembro, com impacto a partir do mês seguinte.
A expectativa do Ministério da Economia era de uma recuperação em “V”. Os dados, no entanto, mostram que a “subida” desse “V” deve ficar incompleta.
Economistas responsáveis por esses indicadores antecedentes de atividade, criados para monitorar a economia praticamente em tempo real, também identificam um redirecionamento nos gastos das famílias, que agora tendem a alocar mais dinheiro em serviços em detrimento de bens.
O Idat (Indicador Diário de Atividade) do Itaú Unibanco parou de crescer em outubro e teve queda até o início de novembro, movimento que está sendo visto como um sinal de estabilização pela instituição.
Segundo o economista do Itaú Unibanco Luka Barbosa, os dados até o momento apontam para um terceiro e um quarto trimestre melhores que o projetado antes.
“O nosso indicador diário de atividade econômica mostra um outubro [na média] acima de setembro. Em novembro, a atividade econômica está estabilizando, desacelerando um pouco, mas isso não deve tirar a visão de um crescimento bom no quarto trimestre, próximo de 2,5% em relação ao terceiro”, afirma Barbosa.
Na primeira semana de novembro, o Idat estava 11,7% abaixo do nível pré-crise (em meados de março).
O indicado mensal desenvolvido pelo Santander em parceria com a Getnet para monitorar as vendas no varejo, o IGet (Índice Getnet de Vendas do Comércio Varejista Brasileiro), mostrou queda de 0,15% em outubro, após cinco meses de crescimento ininterrupto. Para a instituição, o valor indica estabilidade, após a forte recuperação de 33% de abril até setembro.
“Manter essa trajetória de crescimento era um pouco artificial. Houve redução do auxílio, mas ainda são R$ 300 na economia. Por isso, a gente vê mais uma acomodação do que necessariamente uma queda”, diz o economista do Santander Lucas Maynard.
Os dados do IGet mostram que as vendas de vestuário e peças automotivas, que ainda não recuperaram as perdas de abril, continuaram crescendo no mês passado. Supermercados seguem com as receitas estáveis desde agosto, e houve queda nos segmentos que já estavam acima dos níveis pré-crise, como eletrodomésticos, artigos de farmácia e material de construção.
Maynard afirma que o varejo também é afetado por um processo de recomposição do consumo das famílias, com um deslocamento na demanda de bens para o setor de serviços.
“O varejo não deve manter esse ritmo de desempenho do terceiro trimestre. Primeiro pela redução do auxílio e também pela composição de consumo, com essa mudança em direção a serviços, em detrimento dos bens”, afirma.
Gustavo Bahia Sechin, diretor financeiro da Getnet, afirma que a atividade econômica nos meses de novembro e dezembro deve contar com a ajuda de datas como Black Friday e Natal, que devem amenizar essa desaceleração, cujo impacto será maior a partir de janeiro, com o provável fim do auxílio e com um mercado de trabalho que não deve se recuperar no curto prazo.
Para novembro, em sua avaliação, a atividade deve manter a tendência verificada em outubro, de desaceleração e mudança no perfil de gastos.
“A gente acredita em um cenário de retomada do país a médio prazo. Os indicadores não apontam para nenhum sinal de retração, mas de acomodação da velocidade de crescimento, de desaceleração”, afirma o executivo.
José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, é responsável pelo IAG (Índice de Atividade da Genial), que usa o patamar de 100 pontos como referência para a média do período 1º de janeiro a 15 de março deste ano.
O índice apresentou queda de 66% até 31 de março, ponto que o indicador aponta como fundo do poço (34 pontos). Recuperou-se a partir de abril até atingir 85 pontos em meados de outubro. Desde então, tem se mantido próximo desse patamar (estava em 83,5 pontos no final da semana passada).
“O índice ainda está abaixo do período pré-pandemia, mas já voltou bastante. Os últimos dados têm mostrado que continua recuperando, mas de forma mais lenta do que vinha em agosto e setembro. É razoável que, com uma base agora mais alta, a recuperação seja menos intensa”, afirma Camargo.
O fim do movimento de recuperação mais acelerada da economia também é confirmado pelos indicadores de confiança do FGV Ibre para comércio, serviços e consumidor, que tiveram no mês passado a primeira queda desde abril.
Os indicadores de alta frequência que surgiram neste ano atendem a uma demanda, que cresceu diante da pandemia, pela divulgação de dados econômicos com mais antecedência.
O índice do Itaú, por exemplo, utiliza dados de transações de cartões da base do banco, para antecipar o movimento de consumo de serviços e bens no comércio, e de consumo de energia elétrica da indústria para antecipar o nível de produção.
Eduardo Cucolo/Folhapress